Por: André Aram (Folhapress)

Eduardo Dussek: 'A animação não vou perder nunca'

Dussek adquiriu novos hábitos para manter a doença estável | Foto: Acervo pessoal

O cantor, ator, compositor e pianista Eduardo Dussek ainda está impressionado com a repercussão de sua participação no Altas Horas (Globo) do apresentador Serginho Groisman no último dia 25. Os internautas rasgaram elogios à vitalidade do artista, que com o auxílio de um andador, cantou, conversou e fez piada com sua condição ("é uma doença muito chique, tem até uma avenida, a Parkinson Avenue"), arrancando risos e aplausos da plateia.

Diagnosticado com Parkinson há 17 anos, apenas em 2015 ele revelou publicamente a doença. Quem viu Dussek brilhando na homenagem ao cantor Ney Matogrosso não imagina a organização que a apresentação exigiu. "Tive um preparo de duas semanas, tomo doses grandes de remédios. Você viu que no programa não tive tremor nenhum?", indaga ao repórter. "Estava cantando, alegre, feliz... Não que fique deprimido, não é isso (risos). Fico cansado mesmo, muita canseira, se eu fizer isso na frequência de uma pessoa normal vai dar chabu."

No programa, Dussek roubou a cena, com uma performance vibrante, que exigiu esforço físico e mental: "Foi um programa muito alegre, após a gravação ficamos todos ali no palco, virou uma festa, todos em um estado mágico", relembra.

A atração é gravada em São Paulo, então Dussek viajou um dia antes, descansou bastante no hotel e no dia seguinte acordou próximo do horário da gravação e seguiu para a emissora. "Teve toda uma exigência que não são 100 toalhas brancas no camarim, nada disso, depois de remédios, preparação no estúdio, chega ali, explode o meu 'eu' mais relaxado, porque eu já tô preparado, os remédios em cima controlando todos os movimentos me dá uma tranquilidade, pra ter aquele brilho que as pessoas querem ver", revela.

Após o fim da atração, ele voltou para o hotel, e retornou ao Rio na manhã seguinte. O esforço deu resultado. A repercussão foi muito positiva e ele conta que se emocionou ao rever as imagens.

Apesar dos obstáculos, Dussek não perde o alto astral. "Tenho Parkinson há anos e não falava para as pessoas. Eu dançava, cantava, apresentava, mas chegou uma hora que a doença acordou. Tenho que compreender, mas a animação não vou perder nunca".

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Um artista de múltiplos talentos

Eduardo Dussek nos anos 1990 | Foto: Divulgação

Nascido em Copacabana, filho de mãe húngara e pai tcheco, Eduardo Dussek e seus três irmãos - Vera, Marcelo e André - carregam também um sobrenome famoso: Gabor. A semelhança com a atriz Zsa Zsa Gabor (1917-2016) não é mera coincidência, mas um parentesco distante de origem materna.

Dussek despontou no teatro no início dos anos 1970, como pianista na peça "Desgraças de uma Criança", com Marieta Severo e Marco Nanini. Mas a música veio muito antes, quando começou a tocar piano ainda criança, inspirado pelo seu pai.

Com o sucesso teatral, ele começou a fazer shows em 1974, chamando atenção de personalidades da música e entrando em estúdio três anos depois para gravar seu primeiro compacto com as canções "Não Tem Perigo" e "Apelo da Raça", produzido por Nelson Motta. Sem o sucesso esperado, ele deu aulas de canto e de piano e compôs músicas para diversos artistas, como Maria Alcina, Zizi Possi, As Frenéticas e até para o amigo de longa data Ney Matogrosso.

O almejado êxito musical veio em 1980 quando participou do festival MPB-80 com a música "Nostradamus". A repercussão positiva deu origem ao primeiro LP "Olhar Brasileiro", e Dussek não parou mais. Ele coleciona vários sucessos ao lado de seu parceiro musical Luíz Carlos Góes, sempre mesclando crítica social com bom humor, uma influência do Teatro Besteirol, em canções como "Doméstica (Brega Chique)", "Rock da Cachorra" e "A Índia e o Traficante", que seguem atuais. Entre 1981 e 2011, foram oito álbuns lançados e diversos hits que figuraram em trilhas sonoras de novelas como "Bebê a Bordo", "A Próxima Vítima" e "As Filhas da Mãe".

Sérgio Abreu, um dos integrantes do João Penca e seus Miquinhos Amestrados, grupo musical popular nos anos 1980, relembrou o encontro do trio com Dussek em um show no Morro da Urca, na zona sul do Rio. "Ele tinha mais experiência e esbanjava talento, ele bancou de gravar um disco e fazer shows conosco, aprendemos muito com ele."

Sua versatilidade fez com que ele trocasse a música pela atuação em algumas ocasiões. Como ator, fez cerca de 17 trabalhos em novelas, filmes e minisséries. Em "Xica da Silva" (1996) deu vida ao capitão-Mor Gonçalo. O convite veio em um momento oportuno, após superar uma crise criativa que se arrastou por alguns anos devido ao excesso de trabalho. Além do desafio de interpretar um vilão na novela da extinta Rede Manchete, havia outro obstáculo: lidar com o genioso diretor Walter Avancini (1935-2001), conhecido pelo seu temperamento forte com o elenco.

Dussek relembra a experiência: "Ele era uma bomba atômica, a gente gravava na faixa de Gaza, ele era muito inteligente, me ensinou muita coisa, mas reclamava demais". Dussek conta que o diretor ofereceu o papel de galã, mas ele recusou por exigir um desempenho muito maior. "Ele disse: 'Você quer fazer outro personagem?'. Tem uma bicha louca e um vilão'. Fiquei com o papel do vilão que adorei, ele não confiava muito em mim como ator, tinha uma incerteza."

Em uma ocasião, o diretor pôs Dussek com 100 figurantes com perucas e casacos de veludo sob o sol escaldante de Maricá (no litoral fluminense), onde eram gravadas as cenas externas. Dussek encenou uma coreografia de jazz com os soldados, tirando Avancini do sério.

O artista se recorda da situação. "Ele me chamou na sala dele e disse 'não aguento mais você', falei também que não aguentava mais ele, e sugeri adiantarmos as coisas, e ele declarou 'vou matar seu personagem, e você vai gravar sete opções de morte pra deixar gravado'." A novela foi um sucesso e o cachê ótimo, segundo ele.

Resumidamente, a doença de Parkinson está associada à perda de células cerebrais (neurônios) produtoras de um neurotransmissor conhecido como dopamina. Esse, por sua vez, é responsável pelo envio de mensagens às partes do cérebro que fazem a coordenação dos movimentos.

Considerada uma doença neurológica crônica e lentamente progressiva, ela evolui com a idade. Dussek relembra os primeiros sintomas, que o fizeram procurar um especialista. "Comecei a ter muitos pesadelos, estava trabalhando demais, estresse, prazos, e minha mão de repente ficava rígida, com dificuldade para escrever, então fiz uma série de exames e veio o resultado."

As cinco décadas de uma carreira intensa são apontadas pelo artista como uma das possíveis causas da doença. "Só estou fazendo um compromisso por dia por ordens médicas, porque 50 anos nesse corre-corre me deixou nesse estado", diz aos risos. O diagnóstico fez com que ele mudasse alguns hábitos do passado e desacelerasse o ritmo de trabalho. "A alimentação mudou, larguei bebidas como whisky e vodca, e adotei só vinhos, não abro mão do champanhe, adoro. E evito me aborrecer, tudo passou a ser moderado", conta.

Ele também aderiu a tratamentos alternativos como tai chi chuan, acupuntura e shiatsu. Sobre a rotina diária, ele explica: "Tenho atividades normais, mas em um plano mais exclusivo, sou uma pessoa especial agora, tem hora que uso a cadeira de rodas, depois ando uns 30 minutos, então o segredo é você estacionar a doença".