Por: Affonso Nunes

Um encontro mediúnico com Itamar

Arrigo Barnabé e os músicos da Trisca (parte da Isca de Polícia) na apresentação que ganha registro audiovisual e álbum | Foto: Stela Handa/Divulgação

Não há como não pensar no movimento da Vanguarda Paulistana sem que sejam citados Arrigo Barnabé e Itamar Assumpção. A morte precoce de Itamar em 2003, aos 53 anos, interrompeu uma das mais instigantes trajetórias da MPB. Depois dos shows que fez como intérprete cantando Lupicínio Rodrigues e Roberto/Erasmo Carlos, Arrigo decidiu visitar o repertório do velho amigo em apresentações ao vivo no ano passado acompanhado da cozinha rítmica da Isca de Polícia, rebatizada como Trisca, uma das bandas que acompanhava Itamar.

Neste junho, a gravadora Atração lança nas plataformas em áudio e vídeo "Arrigo Visita Itamar" com Arrigo Barnabé e a banda Trisca. O lançamento será feito em três partes: a introdução e três músicas já estão disponíveis, quatro músicas estarão no streamingo em 5 de julho e o álbum completo 9 de setembro chega ao mercado.

"Foi um presente da Atração. A gente não tinha a menor pretensão. Usei uma performance antiga que eu fazia com uma máquina de escrever, isso em 1982/1983!!, como fio condutor. Então a máquina ficou também como uma espécie de "elo mediúnico" que me permitia conversar com o Itamar no além. O Itamar me disse várias vezes que a gente já se conhecia de outras vidas, e que a gente iria se encontrar de novo. E falava isso com muita certeza", conta Arrigo.

"Quando Eu Me Chamar Saudade", de Nelson Cavaquinho e Guilherme de Brito, abre a primeira parte do EP. "Essa é a cara do Itamar, embora seja do Nelson Cavaquinho. É a história do artista que não é reconhecido em vida. Adooro cantar essa música. Adoro samba".

Em seguida, "Fico Louco", de Itemar e gravada originalmente em "Beleléu, Leléu, Eu" (1980), o primiro álbum de Itamar com a Isca de Polícia. "Nós morávamos juntos no Bexiga quando o Itamar compôs. Eu adorava cantar gritando como um louco. A coisa do "Fico Louco" é bem anos 1970, era a cara daquela época. Ele mudou a letra várias vezes, mas era aquela coisa Hélio Oiticica, seja marginal seja herói", recorda Arrigo.

"Tristes Trópicos" fecha a tampa do primeiro volume. "Essa o Itamar fez sobre um poema do Ricardo Guará, no final dos anos 1980. O Guará também morava com a gente no Bexiga. Bom, o Guará fez um trava-língua e tantoe o Itamar encontrou um jeito de encaixar as palavras numa melodia curta, um mantra muito bem solucionado.

A ideia desse projeto começou quando Arrigo Barnabé participou como convidado de um show com a banda Isca de Polícia, no Sesc 24 de maio, em janeiro de 2022, e ele disse ao Paulo Lepetit (baixista e diretor musical da banda), que gostaria de fazer um trabalho interpretando músicas do Itamar.

Começaram a pensar no projeto, que se concretizou em um show apresentado no Sesc Pompeia. No seu desenvolvimento, Arrigo acrescentou às músicas do Itamar algumas canções de artistas que ele sempre gostou muito de cantar. Devido ao sucesso, seguiram com apresentações em outros locais, até que no final do ano passado, Wilson Souto, da Atração, assistiu à apresentação e propôs ao Arrigo registrar o projeto.

Natural de Tietê (SP), Itamar se destacou na cena independente de São Paulo nos anos 1980 e 1990. Foi exímio baixista e tocou, antes da carreira solo, na banda de Arrigo. Seu trabalho provocador, fora dos padrões, repleto de pausas gerando silêncios, ainda é tensionado em uma posição crítica frente às exigências mercadológicas.