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As investigações sonoras de Makely Ka

Com 'Triste Entrópico', Makely Ka fecha trilogia de álbuns com olhar na direção do passado para vislumbrar os dias futuros | Foto: Rosa Antuña/Divulgação

Virtuose da viola, o instrumentista piauiense Makely Ka lança o álbum "Triste Entrópico" (Kuarup). Neste trabalho em formato digital e físico o artista radicado em Minas Gerais, discute a formação da identidade brasileira.

Makely Ka, nome artítico de Makely Oliveira Soares Gomes, é hoje um dos mais requisitados compositores de sua geração e pode ser ouvido na voz de Lô Borges, Samuel Rosa, Titane, Ná Ozzetti e José Miguel Wisnik entre dezenas de outros intérpretes.

Num momento em que o Brasil se encontra numa encruzilhada, o compositor sentiu a necessidade de retomar uma discussão que já foi mais presente na vida do país em outros momentos e que hoje, talvez, tenha se tornado um tanto anacrônica. "É um trabalho que olha o passado para seguir adiante. Mais de 100 anos passados da Semana de 22, quando ideias plantadas pelo modernismo foram superadas, em que pautas muito mais urgentes se impõem, enquanto tantas outras caducaram, chegamos talvez num ponto sem retorno.

Nos resta a tarefa de lidar com nossos problemas estruturais históricos, com a herança da escravidão que nos marca cotidianamente e tudo o que ela implica", comenta.

O álbum, enfatiza, "é um trabalho que fala das nossas misérias e tristezas, mas também que celebra a vida e os encontros, festeja as pequenas felicidades possíveis, que não se furta à celebração da vida. Encarar a ferida aberta de uma abolição da escravidão no final do Império sem dar condições e direitos iguais aos ex-escravos e o massacre de Canudos no início da República, dois fatos históricos que marcaram o rumo dos acontecimentos e que têm reverberações até os dias de hoje e além".

Uma das faixas, "Os Sertões", como diz o título, é inspirada no clássico livro de Euclides da Cunha (1876-1909), retratando seus personagens, sua geografia e os acontecimentos desse triste episódio. "Eu tento dar conta de uma das obras incontornáveis da literatura brasileira, que é esse monolito chamado 'Os Sertões'", comenta Makely Ka".

"Triste Entrópico" fecha a trilogia dos sertões, trazendo esse olhar para o interior, para dentro do país, para a grande floresta, a terra árida e selvagem, mas também o Sabarabuçu, a terra prometida, o Eldorado. No "Cavalo Motor" (2015), o primeiro disco da trilogia, o diálogo era estabelecido com 'Grande Sertão: Veredas', de João Guimarães Rosa (1908-1967). No trabalho seguinte, "Rio Aberto" (2022), a referência e homenagem é feita aos afluentes do São Francisco, ao Rio Doce e ao Vaza-Barris, no sertão de Canudos. Foi, portanto, um percurso pelos rios, descendo o São Francisco através de seus afluentes, de Minas Gerais até a Bahia.

O artista estabelece nesse percurso várias relações entre essas duas obras monumentais da literatura escrita em língua portuguesa. "São os livros provavelmente mais imprescindíveis, os mais enviesadamente didáticos para compreender o Brasil num nível profundo, do final do século 19 para cá", destaca.