"Oi?",uma voz suave surge na rua estreita nas colinas de Hollywood, perto do famoso Griffith Park, em Los Angeles. Mas não há ninguém por perto, apenas dois cães brincando e mulheres passeando pelas trilhas do lugar. "Oi?", a voz fica mais alta e, por trás de arbustos e protegido pelas sombras dos carvalhos, aparece Moby.
Pode parecer um encontro inusitado para quem guarda na memória a imagem de Moby como o DJ, cantor, instrumentista e produtor que ajudou a popularizar a música eletrônica na virada da década de 1990 para 2000. Mas esse superstar das pistas que bebia todas, lotava shows pelo mundo, namorava atrizes hollywoodianas e vendia milhões de discos não existe mais
Prestes a lançar seu 24º álbum, "Always Centered at Night", Moby, de 58 anos, prefere "ficar em casa e fazer música". O comportamento mudou não só com a idade, mas com o veganismo, ativismo ambiental e a sobriedade - ele não bebe há cerca de dez anos.
Ele vendeu sua antiga mansão, a réplica de um castelo, em 2014. "Se eu gostasse de fazer festas, teria sido perfeito. Mas era somente eu sentado na cozinha, lendo a The New Yorker", afirma o músico, agora vivendo numa casa mais discreta que teve a garagem reformada para abrigar seu estúdio de gravação e um corredor onde mantém seus prêmios empilhados, que incluem discos de ouro e platina.
Nascido Richard Melville Hall, em Nova York, Moby não esconde suas prioridades. Acorda antes do sol raiar na Califórnia e mantém uma rotina de caminhada às manhãs pelo parque. "Virei o velho que conhece todas as trilhas", brinca o artista que, há poucos dias, encontrou Christopher Nolan, seu vizinho de bairro, saindo de moletom como "um pai normal".
"Um dos aspectos mais valiosos daqui é a natureza, algo similar à floresta da Tijuca no Rio de Janeiro, que nos mostra que os humanos não são o centro do universo. O que não deixa de ser irônico, já que há muito narcisismo em Los Angeles."
Ele menciona que teve breves encontros com a morte no meio da natureza. O primeiro foi nos montes que formam as cavernas Bronson, mais conhecidas por serem a entrada da caverna da série do Batman dos anos 1960. O músico ficou preso no alto sob o olhar de coiotes e só conseguiu escapar ao segurar as plantas que mantinham a terra firme.
O segundo foi quando encontrou um urso enorme se alimentando no meio da Angeles National Forest. "Caminhei de costas lentamente, mas pensei como seria interessante se ele tivesse me matado ali, no meio do nada. Veio a aceitação de que não seria tão ruim", lembra o artista.
Saindo da boca de Moby, a frase não soa tão mórbida. "Penso na morte constantemente. Estranho que a humanidade faz tudo em seu poder para não pensar nisso, mas é um fato. Achamos que a podemos conquistar ao ignorar tudo isso", afirma Moby.
"Quando eu morrer, serei reciclado. Está no meu testamento. Quero ser enterrado da maneira mais ecologicamente responsável, o que acredito ser com um 'terno de cogumelos', essencialmente um saco de dormir biodegradável cheio de esporos de cogumelos."
Antes desse ciclo da vida se completar, o músico continua trabalhando todos os dias em novas faixas, com uma energia invejável. "Always Centered at Night" traz 13 músicas em parceria com artistas de diversos países, como o cantor americano Serpentwithfeet, o poeta britânico Benjamin Zephaniah e J.P. Bimeni, nascido no Burundi. "Comecei a procurar vozes que não conhecia e virou esse processo quase antropológico", afirma.
O disco foi inspirado nas casas noturnas e lojas de discos de Nova York das décadas de 1970 e 1980, quando "a dance music não tinha identidade e as pessoas dançavam com qualquer gênero". "Queria fazer um álbum de dance, mas que não fosse moderno", diz, avesso à moda dos "featuring".
"A grande maioria é marketing. Não importa a qualidade da voz, mas o número de seguidores nas redes sociais. Prefiro trabalhar com uma cantora maravilhosa a uma cantora celebridade", ele afirma. "Talvez pensasse diferente se tivesse 20 anos."
Talvez, mas Moby tem quase seis décadas de vida e 20 milhões de discos vendidos. Ele está em paz com sua posição na indústria fonográfica e não tem medo de fazer críticas.
"A música pop atual não tem vida. A música pop atual não tem nada a ver com música. Tem a ver com redes sociais combinadas com fama", diz. "Os artistas não estão tentando criar beleza ou algo desafiador, novo e diferente. Querem apenas fazer algo que vai chamar a atenção do algoritmo do TikTok. Imagine tentar lançar agora 'Stairway to Heaven', uma música de sete minutos com dois minutos sem vocais."
Moby evita opinar sobre Taylor Swift porque não quer "ser crucificado por seus seguidores" e revela gostar de "algumas coisas" de Kendrick Lamar. A impressão é a de que sua cabeça está no ativismo ambiental. Ele excursionará pela Europa pela primeira vez em uma década na comemoração dos 25 anos do álbum "Play", que vendeu quase três milhões de cópias, mas doará o seu cachê para organizações dos direitos dos animais.
"Será completo, com toda a banda. Todos vão ganhar salário, menos eu. Sou consciente do dinheiro que fiz e do que ainda faço. Não gosto de luxo. Quando você encontra algo mais importante que sua própria vida, o objetivo é trabalhar para isso", diz o músico, que acrescenta já não ter uma relação especial com a obra que mudou a sua carreira.
"Sou grato por isso ter me feito experimentar o mundo da fama. Pessoas famosas não são interessantes, tendem a ser mimadas. Mas só pude rejeitar a fama depois de vivenciar isso", afirma ele.
Moby não descarta uma nova visita ao Brasil com o show que ele apelidou como um "Greatest Hits". "Odeio quando vou a um show e o artista não toca a música que quero ouvir", afirma o artista. "Vamos ver como serão as apresentações na Europa. Não gosto de viajar e tenho problemas para dormir. Gosto de ficar em casa e fazer trilhas."