Doutor em História Social pela USP, Ricardo Santhiago descreve a artista como uma mulher, lésbica, possivelmente bipolar, cantora, compositora, ritmista e comediante. Nascida no bairro da Mooca, em São Paulo, de uma família de origem italiana, Miriam se apresentava de maneira transgressora para os padrões da época. Raramente usava vestidos, preferia ternos, calças e suéteres, mesclando o visual ditado culturalmente e socialmente como feminino e masculino.
Embora a artista nunca tenha recebido algum diagnóstico sobre sua saúde mental, o autor diz que na memória dos amigos com quem conviveu, Miriam tinha as características de uma pessoa bipolar.
Se cantoras abertamente LGBTs como Mart'nália, Ana Carolina e Zélia Duncan são uma realidade na música popular brasileira hoje, eram uma raridade nos anos 1960 e 1970.
Quando questionada sobre sua vida amorosa e privada, Miriam costumava dizer que se interessava por "pessoas", ou que era "tão homossexual quanto todo mundo". Esse foi o modo que encontrou para se afirmar em um país conservador, que não discutia diversidade e sexualidade na mídia.
"Não tenho a menor dúvida de que o apagamento que Miriam sofreu teve a ver com sua orientação sexual. Gosto de falar em apagamento, mais do que em esquecimento - foi um processo ativo. Miriam nunca falou abertamente sobre sua homossexualidade, mas nunca negou ser homossexual", diz Santhiago.
Miriam Batucada deixou dois discos solo, alguns compactos e uma participação em um disco de Raul Seixas. Era uma artista de palco, conhecida por suas apresentações ao vivo. Seus shows eram roteirizados, com piadas, espetáculos multimídia, sambas, batucadas (sua marca registrada) e paródias ácidas sobre política e celebridades. Pouco de sua obra sobrou para ser conhecida, devido a falta de oportunidades de gravar produções autorais.
Santhiago utilizou fontes de imprensa, arquivos pessoais e entrevistou 80 pessoas em um extenso trabalho de pesquisa documental para a elaboração do livro.
Ele descobriu que, nos últimos anos de vida, após sucessivas decepções amorosas que a deixaram magoada, Miriam desistiu de amar e viveu sozinha.
O biógrafo conta que teve dificuldades com algumas fontes para abordar a vida privada de Miriam Batucada. "Lidei com familiares, colegas e namoradas que tiveram uma certa reticência em falar desses assuntos 'menos nobres' na trajetória dela."
Outro fator que, segundo ele, contribuiu para o apagamento da cantora foi sua identidade musical. Miriam não se encaixava em nenhum movimento ou gênero específico, como Jovem Guarda, Bossa Nova ou MPB.
Do ponto de vista midiático, a história de Miriam é uma trajetória de fracasso, de alguém promissor que não alcançou o estrelato. Influenciada por uma namorada, a artista mudou-se para o Rio de Janeiro, em uma época em que a TV brasileira não tinha abrangência nacional. Ela já havia conquistado espaço em São Paulo, e essa mudança foi decisiva para a queda do seu sucesso.
Um dos pontos altos de sua carreira foi a gravação do disco "Sociedade da Grã-Ordem Kavernista Apresenta Sessão das Dez", em 1971, com Raul Seixas, Sérgio Sampaio e Edy Star, um trabalho cultuado pelos fãs de Raul e cercado por várias lendas.
No fim, sua única irmã morava em Maringá, no Paraná. Quando o corpo de Miriam foi encontrado, ela segurava o gancho do telefone. Não conseguiu ligar para sua irmã ou para quem pudesse ajudá-la.
A obra destaca a relevância de Miriam Batucada como uma figura que desafiou normas sociais e culturais de sua época, inspirando futuras gerações de músicos e artistas a expressarem sua identidade de maneira autêntica e corajosa.