O cantor capixaba Silva decidiu falar mais de amor. O recém-lançado "Encantado", seu sétimo álbum, traz um romantismo sem freios e sem vergonhas, como ele nunca tinha exibido antes. E isso veio de uma conversa com seu irmão, Lucas, parceiro de composições desde o disco de estreia, "Claridão", de 2012.
Foi no ano passado, quando Silva já fazia o que chama de esboços para o novo álbum, que Lucas disparou: "Já reparou que você é um cantor romântico? É verdade, estava ouvindo nossas coisas no Spotify, na ordem das mais tocadas. Todas essas falam de amor escancaradamente, é o que as pessoas gostam de ouvir." E ele percebeu que o irmão estava certo.
Mas Silva detecta um processo longo. "Nas primeiras coisas que saíram sobre mim, teve uma crítica me chamando de romântico, zombando um pouco." Ele lembra que na época isso o incomodou e foi somado a uma conversa que teve com um professor de guitarra. Quando Silva mostrou a ele suas canções, o professor rebateu: "Está romântico demais, precisa botar uma maldade nesse negócio, está muito meloso!".
Então ele lutou por mais de uma década contra essa suposta melosidade. Mas mudou em "Encantado". "Sou romântico mesmo. Até no Bloco do Silva, um projeto musical de festejo, para o Carnaval, era uma festa romântica. Gosto de cantar o amor. E suas variações, como o desamor. Quero também músicas que falem de dor de cotovelo ou de levar um fora muito bem dado."
Com exceção de uma canção, "Já Era", que estava nos rascunhos desde 2017, todo o material é recente. "Não sou muito organizado. Tenho muitas ideias, gravo um monte de pequenas coisas no celular. Se perder meu iPhone e meu iCloud, vai ser bem triste. Eu e o meu irmão chegamos a fazer 30 músicas para esse disco."
Aos 36 anos, Silva prefere gravar álbuns, não singles. "O mercado está ditando as coisas de um jeito que passa por cima da dinâmica individual do artista. Então agora é assim, tem que postar todos os dias, tem um jeito novo de trabalhar, a gente ouve isso de todos os lados. Eu acho que é bom ter a inteligência de ler o mundo em que a gente está, mas é preciso seguir nosso 'feeling'."
Silva afirma que precisa cantar o que está vivendo. Quase uma pregação, um discurso. E cada álbum traduz um momento de sua vida. "O single é bom para o mercado, porque movimenta rápido, mas não tenho muito tesão nisso. No 'Encantado', veio a ideia do nome muito antes de ter o álbum. Fui buscando músicas para encaixar nesse conceito."
A cada turnê, reúne músicos que sejam amigos e com quem possa trocar ideias. Já quis muito ter uma banda. No começo da carreira, Silva foi pensado como nome de um projeto. Talvez, depois, criasse uma outra chamada Souza ou algo assim. Silva acredita que pode mudar a cada projeto, achar um novo formato e um novo grupo no palco.
O cantor dedica o disco a João Donato, um dos pilares da bossa nova, que morreu em 2023. "Fiquei muito triste, Donato era uma das pessoas que eu mais gostava, era divertido, fora do comum." Diz que queria ser um pouco como o ídolo, leve, parecendo não levar nada a sério. "O João Donato me falava que eu tinha de ouvir mais Debussy e Ravel. Tem muito estudo sobre como a música de Debussy influenciou Villa-Lobos e a harmonia na música brasileira."
A morte de Donato impulsionou o desejo de ter algumas participações no disco. "Preciso aproveitar meus ídolos enquanto os tenho por perto", afirma. Fez para cantar com Marcos Valle "Copo d'Água", música que claramente emula o estilo solar do veterano. "Amanhã de Manhã (para Lecy)" virou dueto com Leci Brandão. A Lucy do título, com "Y", é a avó de Silva e também o nome da mãe da sambista. Já "Girassóis" ele entregou para Arthur Verocai fazer o arranjo. "É uma música bem 'donatiana' e foi uma honra quando Verocai aceitou participar."
Outro músico convidado é o uruguaio Jorge Drexler. Silva escreveu sua primeira música em espanhol, "Recomenzar", e Drexler acrescentou uma segunda parte na letra. "Ele me ajudou na pronúncia, porque achou que estava muito europeia."
Esse Silva "para exportação" segue com a faixa em inglês "Mad Machine". "Eu brinco que estou gastando o meu Yázigi. Não tenho um inglês maravilhoso, mas eu me comunico bem. Morei na Irlanda um ano e pouco", diz o cantor, agora romântico e poliglota.