Aos 88 anos, Alaíde Costa diz que está vivendo seu auge. Há dois anos, lançou o disco "O Que Meus Calos Dizem Sobre Mim", o primeiro de uma trilogia que esta semana chegou ao segundo volume, "E o Tempo Agora Quer Voar", em que canta composições de gente como Emicida, Caetano Veloso, Nando Reis, Marisa Monte e Carlinhos Brown.
Não é como se antes disso a cantora, voz seminal e excluída da bossa nova, estivesse parada - na verdade, neste século, já lançou mais de uma dezena de álbuns. O sentimento de estar no auge, ela diz, não tem a ver com a frequência da produção, nem com dinheiro.
"Agora é que está vindo o reconhecimento", diz. "Já não esperava mais que isso acontecesse. E uma coisa que me deixa muito feliz é que estou tendo um público jovem nos shows. Isso vem da pandemia para cá."
É um acerto de contas tardio com a dona de uma voz que já tinha a cara da bossa nova antes mesmo de o gênero existir, nos anos 1950, mas ficou de lado quando o gênero ganhou o mundo. No caso do novo álbum, é também um acerto de contas com Caetano.
Única mulher no antológico álbum "Clube da Esquina", Alaíde foi com Milton Nascimento ao encontro do baiano, em 1974, pedir a ele uma canção para o disco que estava fazendo sob produção do mineiro -"Coração", lançado em 1976. Chegaram a bater à porta de Caetano, mas ele estava dormindo.
Alaíde e Milton desistiram da ideia, mas anos depois ela e Caetano comentaram a história. "Ele falou 'poxa, que pena que não entrei no seu 'Coração'", diz Alaíde. "Falei para ele 'você não entrou só porque você não quis'."
Essa resposta que a cantora deu virou título e refrão da primeira faixa do novo disco, que Emicida fez como uma provocação - escreveu a letra com auxílio de Alaíde e enviou ao tropicalista para musicá-la.
Não é a única canção com temas relativos à biografia da cantora no disco. "Bilhetinho", com letra de Emicida e Luz Ribeiro e melodia de Rubel, surgiu de histórias contadas por Alaíde dos tempos de paquera na adolescência. "Meus Sapatos", outra com letra do rapper, e melodia de Gilson Peranzzetta, remete ao disco anterior e a São Paulo, cidade que ela mora, entre idas e vindas do Rio, desde os anos 1960.
A outra parte do repertório não trata de maneira literal da vida da artista, mas foi feito para ela. Em "Suave Embarcação", na qual canta com a amiga de décadas Claudette Soares, Alaíde enviou uma melodia criada no piano para Nando Reis, que fez a letra. É a segunda colaboração da dupla.
Assim como no antecessor, "E o Tempo..." tem produção do trio Emicida, Marcus Preto e Pupillo, ex-baterista do Nação Zumbi que também assume as baquetas nos trabalhos de Alaíde. Eles trabalharam com o mesmo time de músicos, que inclui Fábio Sá no contrabaixo acústico, Léo Mendes no violão de sete cordas e arranjos de sopro de Henrique Albino e Antonio Neves.