Flores para o Comendador do Samba
Noca da Portela é reverenciado em coletânea que reúne interpretações de Zeca Pagodinho, Diogo Nogueira, Jorge Aragão, Xande de Pilares, Velha Guarda da Portela e outros bambas
O nome artístico diz que é da Portela, mas ele é do Tuiuti, do Cacique de Ramos, do Barbas, do Simpatia é Quase Amor… Osvaldo Alves Pereira, o Noca, aos 91 anos recebe flores em vida em belo projeto capitaneado pela Universal Music Brasil no qual bambas de todas as matizes da aquarela do samba batem ponto na homenagem ao compositor de quase 500 músicas gravadas entre marchas, sambas-enredos, sambas de bloco, sambas de terreiro.
Com direção artística e musical de Ciraninho e arranjos e codireção musical de Rafael Prates, o álbum se chama "Flores em Vida Vol. 1: Noca da Portela", título assumidamente inspirado na canção de Nelson Cavaquinho e Guilherme de Brito que diz assim: "Por isso é que eu penso assim / Se alguém quiser fazer por mim / Que faça agora / Me dê as flores em vida / O carinho, a mão amiga / Para aliviar meus ais / Depois, que eu me chamar saudade / Não preciso de vaidade / Quero preces e nada mais".
Noca da Portela é o maior baluarte vivo e um dos maiores campeões de sambas enredos da história da Portela. Foi gravado por diversos nomes da MPB, de Jackson do Pandeiro a Maria Bethania, passando é claro por praticamente todas as grandes vozes do samba.
Politizado - foi por décadas militante do partido Comunista Brasileiro -, Noca soube fazer arte com crítica social falando a linguagem da gente mais simples. Um exemplo desse engajamento está em "Virada", samba de versos fortes e de mobilização ("O que adianta eu trabalhar demais / se o que eu ganho é pouco / se cada dia eu vou mais pra trás, / nessa vida levando soco, / e quem tem muito tá querendo mais, / e quem não tem tá no sufoco, / vamos lá rapaziada, / tá na hora da virada vamos dar o troco"), gravado por Beth Carvalho e integrada ao movimento das Diretas Já. Foi com o dinheiro dos direitos autorais desse samba que Noca conseguiu comprar a casa onde vive até no bairro do Engenho de Dentro.
"É muito gratificante receber reconhecimento de mais de anos de samba. É uma coisa divina. Sou um cara do povo", afirmou Noca, em entrevista recente à revista Carta Capital.
O repertório do álbum composto por clássicos do velho bamba, hoje com 91 anos, e trabalhos mais recentes. São ao todo 14 faixas, cada uma delas trazendo um feat de intérpretes de peso, critério fiel à genialidade deste sambista que chegou à ala dos compositores da azul e branco de Oswaldo Cruz em meados dos anos 1960.
O álbum abre com "Celular", interpretada por Diogo Nogueira. Depois vêm em sequência: "É Preciso Muito Amor", com Zeca Pagodinho; "Malas Prontas", com Péricles; "Mil Réis", com Jorge Aragão; "Caciqueando", com Dudu Nobre; "Portela Querida", com a Velha Guarda da Portela; "Vendaval da Vida", com Fundo de Quintal; "Otimismo", com Ciraninho; "Opção, com Xande de Pilares; "Festa no Arraiá", com Mariene de Castro; "Vidas Negras Importam", com Neguinho da Beija Flor; "Ilumina", com Roberta Sá; "Peregrino", com Renata Jambeiro; e "Alegria Continua", com Noca Neto.
Noca Neto é o nome artístico de Diogão Pereira, que o acompanha há cerca 10 anos. "Ele é meu herdeiro", avisa o orgulhoso avô, que já tem parcerias com o neto.
O projeto contempla, além do álbum, um audiovisual com participações especiais em todas as 14 faixas. Outro conteúdo será o documentário sobre o artista, sua trajetória e os bastidores do projeto.
A terceira e última etapa, será um livro/E-Book com uma narrativa lúdica e
histórica sobre as composições das 14 faixas do álbum. A ideia é entreter o leitor com um livro de fácil leitura, com ilustração ou fotos associadas aos temas de cada título das canções, além disso as partituras escritas dos arranjos utilizados nos fonogramas do projeto.
Mineiro que chegou pequeno ao Rio e passou por inúmeros percalços antes de vencer na vida com sua música, Noca tornor-se o primeiro sambista a ser secretário estadual de Cultura e até receber a Comenda da Ordem do Rio Branco, a maior condecoração concedida pelo Itamaraty.
Depois de viver em cabeças de porco ou barracos de zinco - perdeu tudo nas enchentes de 1966 que devastaram sua casa no Tuiuti e muitos outros por toda a cidade -, trabalhou duro como feirante e soube conciliar suas responsabilidades como marido e pai com a típica boemia no meio do samba.
Filho de um militante comunista, Noca da Portela herdou apenas duas coisas do pai: um violão e um quadro com a foice e o martelo. "Meu pai trabalhava na Lloyd, passava muito tempo longe de casa, mas tocava e compunha alguns sambas. Mas nunca quis que eu seguisse por esse caminho. Ele sabia que não tinha jeito e me tornei seu herdeiro na música e militância", conta Noca. No leito de morte, seu Ernesto Domingos de Araújo também foi presenteado pelo filho. Noca cantou-lhe um samba declarando amor ao Flamengo. Um pequeno gesto de carinho do filho tricolor, que nunca seguiu o conselho do pai para ser rubro-negro. "É uma coisa que fiz só pra ele, nunca gravei. Mas depois vi que na mesma métrica em que escrevi Flamengo, com três sílabas, cabia tricolor, sem qualquer prejuízo à melodia", diverte-se.