Por: Rodrigo Fonseca | Especcial para o Correio da Manhã

Paulo Halm: 'Vivemos um mundo muito duro'

Marco Ricca e Juan Paiva estão no elenco de 'De pai pra Filho'. O drama familiar filmado em Copacabana é o mais novo filme do realizador Paulo Halm, que fala com exclusividade ao Correio | Foto: Marcelo Gibson/Divulgação

Um dos mais comoventes acontecimentos do Festival de Paraty, encerrado no domingo (4), "De Pai Para Filho" estreia nesta quinta-feira (8) com a promessa de aquecer os corações do circuito audiovisual brasileiro. Chega com a certeza de traduzir a maturidade de Paulo Halm como diretor. Depois de escrever dois fenômenos de audiência seguidos no horário das novelas das sete da TV Globo - "Totalmente Demais" (2015) e "Bom Sucesso" (2019), criados em duo com Rosane Svartman -, esse bamba do roteiro regressa à direção de longas-metragens de ficção. Volta a ocupar o posto de cineasta entregando aos cinemas uma experiência afetiva definível como "um filme fofo".

É como o realizador de "Histórias de Amor Duram Apenas 90 Minutos" (2009) se refere a uma comédia dramática (ou drama com tons generosos de humor) salpicada pelo sobrenatural. Tem romance, tem amizade, tem um fantasma ligado aos antigos espíritos do B-Rock e tem um astro em ascensão - Juan Paiva, o Buchecha de "Nosso Sonho" - num processo duplo de reeducação emotiva. O personagem dele é José, dono de uma loja de ferragens em Araraquara (SP). De um lado, José vai aprender o que é a paixão no sorriso de Dina (papel de Miá Mello). Do outro, com uma ajudinha do Além (ou seria de sua imaginação), José vai aprender que um abraço paterno pode ser um belo de um abrigo no carinho (espectral) de Machado, o Gasparzinho roqueiro vivido por um Marco Ricca com jeitão de Bill Murray.

"Parece um filme de Natal!", brincou Halm ao receber o Correio da Manhã no set de filmagem central - um apartamento no Bairro Peixoto - onde a trama se passa.

A cada take com Machado, o fantasma vivido por Ricca, conversando com José, Halm fechava a cena sussurrando pros colegas "É Bill Murray total!", enquanto seu diretor fotografia, Alex Araripe, dava seus toques autorais à luz das cenas.

Há 22 anos, Halm foi laureado com o troféu Candango de melhor roteiro, no Festival de Brasília, por "2 Perdidos numa Noite Suja", de José Joffily (de quem foi aluno, na UFF, e parceiro profissional). Em 2003, fez muita gente chorar com o curta "O Resto É Silêncio", que dirigiu. Antes disso, em 1997, ele escreveu com José Roberto Torero, um ímã de suspiros: o "Pequeno Dicionário Amoroso", de Sandra Werneck. Tem, portanto, tarimba para escrever tramas que emocionam e que nos revelam novas perspectivas sobre a condição humana.

Na entrevista a seguir, Halm explica a dimensão lúdica de uma narrativa que contagiou Paraty.

Qual é a ideia de paternidade que organiza as reflexões afetivas do seu filme em relação a pertencimento e ao senso de "segunda chance"?

Paulo Halm: Eu sempre falo que comecei a pensar o "De Pai Para Filho" com a perspectiva do Filho e terminei com do ponto de vista do Pai. Foi assim até porque nesse longo processo (foram onze anos, desde a primeira versão do roteiro até filmá-lo), eu virei pai (da Maria) e passei a ver a vida e o mundo com essa perspectiva. De certa forma, o José vive essa experiência, essa transformação, com esperança de ser um pai melhor. E, principalmente, de ser um homem melhor. As novas gerações de homens têm essa chance. Mais do que paternidade, acho que o filme fala da retomada do amor, do afeto. Vivemos um mundo muito duro. Os últimos anos particularmente foram terríveis, com um desgoverno autoritário, negacionista, boçal, reacionário, de tendências fascistas. A trágica experiência do covid-19 que, muito por culpa deste mesmo desgoverno, causou 700 mil mortes, e o luto que milhões de pessoas viveram, e ainda vivem... tudo isso me fez querer fazer um filme que acolhesse as pessoas como um abraço carinhoso, esperançoso. O filme fala da possibilidade do amor, seja paternal, fraternal, conjugal... e também de novas formações familiares.

De que tipo de comédia estamos falando com um projeto como "De Pai Para Filho" e como ela lida com os limites do humor contemporâneos?

"De Pai Para Filho" não é exatamente uma comédia. Acho que está mais para o drama engraçado, o drama com humor, o que os americanos chamam de "Dramedy", ou dramédia. O drama que não traumatiza. Acho que o filme dialoga tanto com o humor quanto com o drama, mas acho que é uma tendência, não só do cinema, mas das narrativas contemporâneas como um todo, romper os limites ou convenções da dramaturgia mais clássica. No mais, as cenas, sejam mais engraçadas ou dramáticas, têm que funcionar naquilo que se propõe: fazer rir, comover, emocionar, em favor de um resultado final único. Eu brinco que eu peguei personagens típicos de comédia e joguei em situações dramáticas. Seja como for, eu acho que é um filme que fará o espectador sair do cinema se sentindo bem, reconfortado, mas refletindo naquilo que viu ao longo de seus 124 minutos.

Você é uma das principais grifes de roteiro do país, indo de mestres (Hugo Carvana/ José Joffily) a aventuras com Luccas Neto. Que conflitos, limitações e fragilidades você detecta hoje na atividade de roteirista no país?

Passei 12 anos escrevendo novelas. Fiz três, então acabei me afastando um pouco do cinema. Mas só um pouco. Acho que a tarefa de um contador de histórias, de qualquer contador de histórias, é ter algo interessante a dizer. E dizê-lo de forma interessante. Isso vale para drama, comédia, ficção científica, terror. Portanto, não acho que exista nenhum grande impeditivo artístico ou narrativo para o trabalho do roteirista no Brasil. Talvez apenas a baixa remuneração. Mas pode ser que eu esteja mal-acostumado ao padrão global, saudades do peru do Dr. Roberto (referência à cesta de Natal da TV Globo), do plano de saúde, férias, décimo terceiro e o merchandising. Ah, o merchandising... Enfim. Em geral, roteirista não ganha bem. Continuo achando que o maior problema que limita e fragiliza nossa atividade, como contador de histórias, é a forma como os filmes são produzidos. O que nos limita são as tímidas, conservadoras, covardes mesmo mentalidades que controlam os recursos e definem o tipo de filme que é mais ou menos adequado, ou mais ou menos interessante, ou que possa ou não agregar e agradar mais pessoas. É lamentável que a maior parte dos recursos destinados a produção - e estamos falando de recursos públicos, que fique bem claro! - seja destinada aos distribuidores, ou seja, aos comerciantes de filmes, e não aos realizadores, aos produtores, que são aqueles que criam, que têm algo a contar, a mostrar. Isso afeta completamente o trabalho de quem cria, pensa, narra. Já no setor que não é financiado por recursos públicos, as plataformas de streaming, o que se vê é uma mentalidade típica do subdesenvolvimento, do colonizado, que obedece sem pestanejar as ordens das metrópoles. Uma narrativa baseada em beats, em estruturas pré-estabelecidas, em ditames e modelos, formatos etc. É uma chatice. E o mais anacrônico é que isso só vale para nossa produção. Os produtos coreanos, indianos, turcos, italianos, espanhóis, mexicanos, escandinavos - cujos produtos estão disponíveis em qualquer catalogo de qualquer plataforma - todos esbanjam originalidade, versatilidade, universalidade e tradição. São produtos que exploram os diferentes gêneros narrativos com liberdade e sem peias de uma estrutura mais convencional ou dita "agradável" ou palatável. Enquanto estivermos confinados por essas duas muralhas, econômicas e narrativas, estaremos mal. E como a perspectiva é de que, em breve, muito em breve, os recursos públicos estarão financiando as plataformas de streaming, a coisa não vai evoluir muito bem.

De que maneira a sua relação com a escrita contamina/ liberta a sua forma de dirigir?

Na verdade, eu sempre quis ser diretor. Entrei na UFF com essa ideia na cabeça, mas sem uma câmera na mão e nem dinheiro no bolso. Virei roteirista por necessidade financeira. Precisava ganhar dinheiro para viver. Eu gosto e acho que sei contar histórias. Para mim e para os outros. Então, paralelamente ao meu trabalho como roteirista profissional, eu sempre dirigi. Fiz diversos curtas-metragens, vários deles premiados. Escrever pra cinema não é um processo literário, é um processo cinematográfico, diretamente ligado à linguagem - que é audiovisual e não literária -, mas também ao processo de produção, à filmagem, à logística de cenários, de exteriores e de interiores, de filmagens diurnas e noturnas, e, principalmente, ao custo disso tudo. Por outro lado, há uma particularidade da criação cinematográfica que parece uma questão semântica, mas é fundamental: o diretor não filma aquilo que está escrito, ele filma aquilo que ele lê. Já há uma recriação na leitura. Então, não são atividades díspares, são dialéticas. O Truffaut dizia que filmava contra o roteiro e montava contra a filmagem. É (espero que seja) uma blague, mas de certa forma define os limites de cada etapa do processo de criação audiovisual. São partes fundamentais e indissociáveis de um todo. Então, escrever me ajuda a dirigir melhor. E dirigir me ajuda a escrever melhor.

Tem mais algum filme chegando aí, ou séries ou novelas?

Fazer filmes leva muito tempo, lembrando que demorei onze anos pra conseguir tirar o DPPF do papel. Melhor dizendo: levantar os recursos necessários para fazer um filme é um longo processo que nem sempre ou quase nunca tem a ver com a qualidade do projeto. Eu tenho um novo projeto que acho bem legal, uma comédia dramática com romance e muita música. Se chama "BotaSoho". Vamos ver quanto tempo vou levar para fazer esse filme. Paralelamente, estou desenvolvendo com o ator Zé de Abreu um roteiro de longa-metragem sobre o mítico e desastrado Congresso da UNE de Ibiúna. É uma trama centrada nos jovens Zé Dirceu, Vladimir Palmeira e Eduardo Travassos, e claro, no próprio Zé de Abreu. Mas não vai ser um filme para setentões nostálgicos de 68, não. Vai ser um filme sobre e para a rapaziada. Para mudar um pouco de ares e sabores, escrevi um romance policial com humor (sempre) chamado "Noir Cafuçu". Estou negociando a publicação. Espero que não demore tanto como fazer um filme.