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Um turbilhão de poesia na geléia geral brasileira

Tuca Andrada: 'É uma figura muito interessante e importante para refletirmos sobre nossa sociedade' | Foto: Ronald Nascimento/Divulgação

Poeta que desfolhou sua bandeira libertária em plena ditadura militar, Torquato Neto (1944-1972) é um dos artistas mais representativos da Tropicália apesar de sua vida breve. Passados 52 anos de sua partida, o poeta, letrista da música popular brasileira e experimentador ligado à contracultura é celebrado no espetáculo "Let's Play That ou Vamos Brincar Daquilo", tendo o ator pernambucano Tuca Andrada no centro da cena.

A ideia para essa peça-show surgiu a partir do encontro do ator com a edição de "Torquatália", de Paulo Roberto Pires, que em seus dois volumes, apresenta uma antologia do Torquato Neto, tanto de sua obra poética quanto em prosa, além de inéditos, correspondências, escritos de sua coluna no jornal Última Hora, em publicações diversas e, por isso, desconhecidos. Daí Tuca partiu para a criação do espetáculo, atuando e dirigindo em parceria com a também pernambucana Maria Paula Costa Rêgo. No palco, o ator está em companhia dos músicos Caio Cezar (que assina a direção musical) e Pierre Leite, além do público que também é parte da encenação.

"Let's Play That é o nome de uma poesia do Torquato Neto que foi musicada pelo Jards Macalé, Vamos Brincar Daquilo é uma tradução livre para o título em inglês, e esse sentido de jogo, de brincar, é um chamamento para o público se relacionar comigo durante o espetáculo", revela Tuca Andrada.

Em um palco em formato de semi-arena, Tuca Andrada recebe cada pessoa do público que vai chegando e se acomodando, bem próximo dele, para acompanhar e se relacionar com o ator revivendo no palco a vida e a obra do poeta e letrista tropicalista Torquato Neto. Em pouco mais de uma hora o ator esbanja energia, com sua fisicalidade intensa, performática - resultado de pesquisa que contou com apoio de Maria Paula Costa Rêgo -, ocupando todos os espaços da cena, interpretando um artista popular, em alguns momentos ele mesmo e em outros o próprio Torquato, contando, cantando, vivendo histórias e impressões suas, costurando a dramaturgia com canções de autoria do Torquato com parcerias diversas como: "Mamãe Coragem" (Caetano e Torquato), "Minha Senhora" (Gil e Torquato), "Geléia Geral" (Gil e Torquato), "Lua Nova" (Edu Lobo e Torquato), "Pra dizer Adeus" (Edu Lobo e Torquato), "Destino" (Macalé e Torquato), "De Cá Pra Lá de Lá Pra Cá (parceria póstuma com Zeca Baleiro e Fagner) e Marginália II (Gil e Torquato), cantadas em cena por Tuca Andrada, além de gravações de "Ai de Mim, Copacabana", na voz de Gal Costa; "Três da Madrugada", na voz de Caetano; "Deus Vos Salve a Casa Santa" e "A Rua", essas duas como trilha sonora instrumental. Músicas que colocam em evidência o legado do artista para o Tropicalismo.

"Muita gente conhece Torquato sem saber, ouviu suas músicas, mas não sabe que são de sua autoria e, por isso, para mim foi tão importante trazê-las para a peça. Se prestarmos atenção na obra dele, é muito solar, cheia de movimento e dinâmica. Ele instiga uma perspectiva de reconstrução, de refazer, rever, reler o que está posto. Acredito que isso tem muito a ver com o momento que estamos vivenciando no país", enfatiza o ator.

O espetáculo envolve poesia, stand-up show, performance, jogo e aula-espetáculo. Durante pouco mais de uma hora, o mundo e o tempo de Torquato Neto tomam conta do palco e do ator, que narra sua visão da história, com ajuda apenas de um banco, sonoplastia, música, dança e com um chão coberto com as poesias de Torquato. Assim, como numa roda de amigos, Tuca Andrada se encanta, canta e conta a história desse artista inclassificável e não enquadrável, sob qualquer aspecto. Mas ele quer falar sobre Torquato sem as amarras de uma narrativa biográfica tradicional, como já havia experimentado no aclamado musical sobre a vida do cantor Orlando Silva.

A ideia de Tuca, agora, é de retomar a simplicidade do contador de estórias, do repentista, do cantador de feira que apenas com a voz e o corpo conduz a audiência para fora do tempo presente, transportando-a para outros universos. Durante as apresentações o público é convidado a participar, opinando, criticando, sendo livre para falar o que quiser. Dessa maneira o espetáculo se reconstrói em cada récita, marcando assim uma característica fundamental na obra torquatiana que é o de se reconstruir a cada momento. E os universos de Torquato são muitos.

Poeta, jornalista, agitador cultural, compositor, cineasta, ator e um dos ideólogos do movimento mais importante na cultura brasileira, na segunda metade do século XX, a Tropicália. Torquato Neto era antes de tudo um apaixonado pelo Brasil e pelas diversas formas de comunicação. Apesar de uma vida curta - decidiu sair de cena aos 28 anos - mudou radicalmente a maneira de se fazer poesia e jornalismo no país. Nunca publicou um único livro em vida, mas sua obra continua reverberando em muitos artistas brasileiros até hoje, haja vista, o presente espetáculo.

"O importante, para ele, era comunicar. Meu desejo é poder instigar as pessoas a pensarem com ele. Acho que é uma figura muito interessante e importante para refletirmos sobre nossa sociedade", diz Tuca.

SERVIÇO

LET'S PLAY THAT OU VAMOS BRINCAR DAQUILO

Teatro III - Centro Cultural Banco do Brasil (Rua Primeiro de Março, 66)

De 15/8 a 16/9, de quinta à sábado (19h) e domingo (18h)

Ingressos: R$ 30 e R$ 15 (meia)