Cézar Mendes conta que foi Paula Lavigne quem lhe sugeriu fazer uma música com Caetano, em 1997. "Falei pra mim mesmo: 'Você tá louco, cara?' Eu nunca tinha feito nada. Mas aí entrei num ônibus pra Itapuã e quando cheguei no meio do caminho, a melodia estava pronta, inteira".
Desde então, tem sido assim com ele. O compositor de 73 anos não tem nenhuma disciplina em seu ofício, apenas recebe a inspiração quando ela chega. "O Roberto (Mendes, seu irmão) senta no cantinho dele ali todo dia e faz três, quatro músicas. Eu não consigo. A minha vem quando ela vem", sintetiza.
Suas melodias carregam mesmo uma beleza de apelo direto e ar de standard, como se estivessem por aí há muito tempo mesmo quando você as ouve pela primeira vez. Sem malabarismos, com "poucas notas", como ele diz. "São primas", brinca ele. Os letristas - além dos citados Caetano e Arnaldo, a lista inclui Ronaldo Bastos, Tom Veloso, Marisa Monte, José Carlos Capinan e Zélia Duncan, entre outros - deitam seus versos ali com um conforto que chega ao ouvinte. Não há arestas. "São melodias redondas", resume o compositor.
"Você não pode fazer melodia se não conhece Cole Porter e Carlos Lyra. É o mínimo", diz Mendes, apontando duas referências centrais de sua música.
Como músico, ele tem experiência e já fez turnês com Adriana Calcanhotto e Tribalistas. Mas como artista principal, novato, a situação é diferente. A cada show, quando o nervosismo bate, ele lembra o porquê demorou tanto em se lançar na aventura de um show próprio. "Quando dá o terceiro sinal, eu passo mal, vomito", conta. "Na noite anterior não durmo, é uma desgraça". Mas o prazer compensa. "Quem não gosta de aplausos?".
Nos shows da turnê, Cézar Mendes tem a companhia de Tom Veloso (violão) e Tomás Improta (piano), além de participações especiais eventuais nas cidades onde se apresenta. O filho mais novo de Caetano tem sido seu parceiro mais constante. Foi uma das parcerias da dupla, "Talvez", lançada por Caetano e Tom, que ganhou o Grammy Latino de Gravação do Ano em 2021. A composição também está garantida no repertório.
Outra que tem presença certa é "João", que o violonista compôs para João Gilberto, de quem o compositor se tornou amigo em seus últimos anos. A letra de Arnaldo celebra o baiano de Juazeiro: "Quando uma só pessoa/ O silêncio aperfeiçoa/ Toda a multidão/ Escuta o coração/ E se torna civilização".
Agora que se assumiu como cantor, Mendes já tem novos planos na carreira. Atualmente, pensa em seu segundo disco, desta vez dando sua voz às composições - em seu primeiro álbum, de 2018, elas foram interpretadas por convidados como Djavan, Carminho e Fernanda Montenegro. Ele quer que a atriz marque presença também no novo disco, ao lado de artistas da nova geração. "Eu quero muito trabalhar com uma turma que tá chegando aí. Dora Morelenbaum, Zé Ibarra", diz, referindo-se a dois artistas que integram o projeto Bala Desejo.
O músico conta que a coragem para cantar também veio de olhar para o cenário contemporâneo da música. "Estou vendo tanta gente cantando mal aí mesmo com 'autotune'. Eu não desafino", afirma. "E tem outra coisa: quando o compositor canta a música dele, você enxerga a música, a verdade dela".
Diagnosticado com Parkinson, Mendes diz que a doença tem prejudicado sua locomoção e seu equilíbrio. "Mas você sabe que pra quem tem música na alma, tudo fica leve, né?", diz. "O meu neurologista me falou: 'A música vai te salvar'. E é verdade".