"O grande prêmio vai ser lançar esse álbum e ele estar na boca das pessoas que tiverem boca para cantar, sabe?", diz Liniker que, após ganhar o Grammy Latino em 2022 com seu primeiro disco solo, "Indigo Borboleta Anil", afirma ter buscado no próximo se realizar através da própria criação, antes de qualquer outra coisa.
Na última segunda-feira (12), a cantora convidou amigos, influenciadores e jornalistas ao Cine Marquise, em São Paulo, para apresentar "Caju". Ao decorrer das 14 faixas, todas escritas pela cantora, que somam mais de uma hora, os presentes foram conhecendo a personagem que dá nome ao disco, uma mulher destemida e sentimental, que prefere o vermelho fervente às cores frias do álbum anterior.
Liniker vê "Indigo" como um disco prematuro e nascido sob condições adversas. Ele foi lançado pouco após a separação amistosa do Liniker & Os Caramelows, o grupo com que a cantora se apresentava, e teve sua produção atravessada pelo primeiro ano da pandemia de Covid-19. Naquele momento, a artista tateava as possibilidades artísticas da nova empreitada.
"Caju" cresce sobre outro solo. O sucesso conquistado pelo disco anterior a tornou uma artista premiada, a levou para shows na Europa e abriu espaço para que ela fizesse papéis de sucesso como atriz, como na série "Manhãs de Setembro".
"O investimento de 'Caju' é gigante, ele é um álbum que demandou muita energia e dinheiro, e tudo de uma forma bastante independente. Acho que isso me possibilitou chegar em outras texturas e camadas que eu não tinha podido experimentar em uma obra", ela diz.
Neste novo lugar e com uma década de carreira, Liniker se sente mais confortável para criar e livre da obrigação de continuar se reapresentando para parte da mídia e da indústria que, segundo ela, insiste em tratá-la como alguém que está dando seus primeiros passos.
"Eu já falei de Araraquara, da minha família de músicos, de como é ser uma pessoa trans no Brasil, quais são as violências que eu sofro enquanto uma pessoa preta. Agora eu quero falar do meu trabalho", afirma.
"Quando eu comecei, eu tinha 19 anos. Eu vou fazer 30 no ano que vem. Agora, tenho a maturidade de alguém que passou por experiências, que viu coisas. Estou aprendendo quais são os limites quando eu vou falar de mim e do meu trabalho, e eu acho que essa segurança está sendo o maior comparativo do meu antes e depois. Eu não era segura quando eu comecei."
Com o amadurecimento pessoal, veio o artístico. Liniker hoje se aventura também como produtora e regeu com minúcia a construção de "Caju". Ao lado de Fejuca e Gustavo Ruiz, que estiveram com a cantora no projeto anterior, ela gravou todo o disco de forma analógica, na fita, como faziam os incas e os astecas. O recurso traz uma textura diferente para o álbum e conversa com um certo movimento atual de ver beleza nas imperfeições e ruídos das tecnologias antigas.
E a tríade de sucesso de "Indigo" está bem acompanhada no álbum que sai agora. A cantora, após fazer dueto com Milton Nascimento no seu trabalho anterior, traz Lulu Santos e Pabllo Vittar, os artistas mas chamativos entre os convidados, para a faixa "Deixa Estar", uma das últimas do álbum.
Liniker já começa a coletânea acompanhada da Orquestra Brasil Jazz Sinfônica e de um coral em "Veludo Marrom", segunda faixa da coleção, que vem depois da homônima "Caju".
Na música seguinte, "Ao Teu Lado", o piano de Amaro Freitas abre a porta do castelo para a cantora no que, como diz a própria divulgação do álbum, bem poderia ser uma trilha sonora de um filme da Disney. À rainha, juntam-se as princesas Anavitória. Pouco depois, o BaianaSystem aparece na dançante "Negona dos Olhos Terríveis".
Priscila Senna, que se destaca na cena nordestina com seu forró, está no brega "Pote de Ouro", e a baiana Melly, nome em ascensão que foi a artista revelação do Prêmio Multishow de 2023 com seu álbum de estreia, do qual Liniker participou, aparece aqui em "Papo de Edredom".
Iuri Rio Branco, que produziu para sua ex-namorada Marina Sena, a produtora Nave e o duo Tropkillaz também coassinam faixas, os últimos, a única música em inglês do disco, a animada "So Special".
Segundo Liniker, essa enxurrada de colaborações parte não de uma estratégia comercial, mas de um desejo de trazer para perto de si gente que ela ouve, conhece e admira.
"O álbum é muito orgânico, acho que se eu estivesse preocupada com isso eu não teria feito músicas tão longas", diz. "Como é um para celebrar tudo o que eu gosto, não fazia sentido eu pensar num feat só pelo hype ou pelo alcance de número. É um álbum totalmente autoral, então tinha que ser autoral também esse afeto, essa parceria com cada pessoa que soma."
De forma parecida, ela justifica a afirmação de que o Grammy não é sua prioridade, ainda que não negue que seria ótimo voltar a ser premiada.
"Se os louros vierem, vai ser ótimo, mas esse disco já me torna vitoriosa só pelo fato de eu conseguir fazer esse álbum. Esse é o gozo em que eu estou concentrada. Eu estou pensando nesse álbum como obra de arte, é uma fotografia do meu agora, o meu momento mais bonito e seguro comigo mesma. Não quero deixar que qualquer pressão desmanche ou apague um processo de autoestima em que eu, enquanto uma pessoa preta, estou há anos tentando me colocar firme."