Como surgiu a parceria com o Leonardo Lichote?
Ana Costa - Foi no Samba do Trabalhador, ali no Andaraí. Entre uma cerveja e um samba cantado, falamos sobre cultura, histórias do Rio, política, letras e melodias. Aí perguntei se ele fazia letra para música. Afinal de contas, adoro esse tipo de troca, coisa que faço frequentemente com minha parceira Zélia Duncan. Daí ele topou tentarmos uma parceria e mandei uma melô pra ele, que prontamente me respondeu com uma letra maravilhosa.
Como surgiram as músicas do projeto?
Depois que fizemos umas duas músicas, nos encontramos no Momo, um botequim que tem aqui na Tijuca, combinamos que faríamos uma série de músicas pra gravar um álbum. Era uma fase ainda difícil, estávamos saindo da pandemia e queríamos muito falar sobre coisas além do sofrimento daquele momento - era o que mais se falava na época, um sentimento de fim de mundo, quase! Queríamos falar também do futuro, da nossa ânsia de tempos melhores, queríamos falar como cidadãos que vivem numa cidade tão louca como o Rio sob a perspectiva de seres urbanos que somos, cada uma na sua luta e na sua realidade pós caos.
E a escolha dos convidados?
Um dos convidados é o próprio Lichote que, pela primeira vez, está cantando. Ele gosta de cantar e de tocar violão. Achamos que "Pra recomeçar", a música, deveria ser cantada por nós dois, pois é a música que encerra o disco e, principalmente, porque é uma mensagem que explica todo o nosso sentimento desde aquele encontro no Momo: "Quem samba sabe que sempre seguirá". A outra convidada, Juliana Linhares, foi sugestão do Lichote. Nós dois gostamos muito do trabalho da Ju e achamos que daria o maior pé ela cantar uma de nossas músicas.
Qual é a importância do projeto na sua carreira, Ana?
Diria que é uma extensão de tudo o que venho traçando na minha cabeça desde 2009, quando lancei o segundo disco, "Novos Alvos". Trabalhei naquele álbum com a cabeça voltada pro futuro, abdiquei do posto de cantora de samba naquele momento e o povo achou esquisito. Sou uma artista muito curiosa, talvez esquisita mesmo (risos). Naquela época, paguei caro por isso, mas também abri a mente de muita gente. Fui buscar um produtor diferente, cantei coisas diferentes, compositores fora do universo do samba, e esse movimento está registrado na minha discografia. Depois voltei aos discos de samba, mas nunca mais deixei de arriscar. O Lichote é um cara muito interessante. Ele tem uma veia marginal que me agrada e isso me estimula a criar sem amarras. Além do mais, em 2019 comecei a estudar produção musical, técnicas de áudio, síntese sonora e o "Pra Recomeçar" marca essa minha fase mais recente. Nele, pude colocar em prática muita coisa que aprendi. A importância dele? Sinto um crescimento artístico, com mais coragem e conforto dentro do ambiente que eu mesma criei pra mim.
Qual é o recado do novo disco?
Quero passar ao público essa minha alegria e prazer em fazer música. Gostaria que as pessoas que curtem o meu trabalho soubessem que esse é o meu oxigênio: Estar a serviço da música é o que me garante um lugar nesse planeta. Daí vem a minha força. E que seja um motivo de inspiração para as pessoas, principalmente para as mulheres que vieram depois, que estão aí se perguntando: por onde eu começo? A resposta é: Invente!
E os seus objetivos com esse projeto?
Fazer shows, estar no palco com meus amigos tocando, cantando, rindo e que isso nos renda noites memoráveis. Pra nós e pro público. Vamos fazer agora uma turnê por quatro bairros cariocas: Santa Teresa, Tijuca, Bangu e Madureira, agora entre 31 de agosto e 4 de outubro. Ganhamos o Edital Viva o Talento, da Prefeitura do Rio, e o mais legal é que vamos apresentar o show de graça para o público. É só chegar, gente!
Vocês lançaram um single que deu o que falar antes do disco, não foi?
Lançamos e muita gente comentou nas nossas redes sociais. "Só a Maré" trata do desconhecido, do mistério que nos faz querer o risco, se jogar. Só aí se tem história pra contar. A sonoridade está clean, misturando violão, elementos eletrônicos e instrumentos de percussão mais exóticos como o Guiro, de origem africana e o Adufe, que é árabe. Tudo isso junto para trazer uma sonoridade bem particular, como se fosse um "slow motion bossa nova".
Falando em sonoridade, como construiu a sonoridade deste "Pra Recomeçar"?
Chamei o Maurício Massunaga para produzir esse trabalho porque ele é um cara do acústico, mas também é o cara que ouviu muito rock, metal e pop. Tem uma cultura musical bastante rica e a gente troca muito sobre sonoridades. Maurício também é um dos poucos músicos e produtores que presta uma atenção especial às palavras. Então, eu queria que a sonoridade do disco tivesse uma abordagem que dialogasse com as palavras, com a temática das letras. Penso que resultou num álbum que mostra a Ana Costa sambista conversando com várias "Anas" que vivem dentro dela.