O show mais aguardado do ano: Caetano e Bethânia
Caetano e Bethânia estreiam turnê com canção de Iza, louvor evangélico e homenagem a Gal
O show de estreia da turnê de Caetano Veloso e Maria Bethânia - no último sábado na Arena Farmasi, na Barra da Tijuca - já estava na reta final quando os irmãos entoaram energicamente o refrão: "Fé pra quem é forte/ Fé pra quem é foda/ Fé pra quem não foge à luta/ Fé pra quem não perde o foco/ Fé pra enfrentar esses filha da puta".
Mais do que uma das maiores surpresas do repertório, a canção "Fé", de Iza, carrega expressa em seu título um dos temas centrais do espetáculo -- num roteiro que inclui homenagens a Gal Costa e à Mangueira, referências a Santo Amaro natal e memórias de encontros anteriores da dupla, como o show que fizeram em 1978 e o grupo os Doces Bárbaros, que integraram ao lado de Gal e Gilberto Gil.
"Fé" foi uma das maiores surpresas exatamente porque ela divide o posto com outra canção que toca diretamente no tema. O louvor evangélico "Deus Cuida de Mim", cantado por Caetano em seu momento solo do show, foi recebido pela plateia em silêncio. Uma reação que poderia ter sido lida como frieza, mas talvez seja melhor explicada como perplexidade.
Perplexidade que teve início quando Caetano a anunciou: "O fato de o número de evangélicos crescer enormemente no Brasil tem uma enorme importância para mim". O público parecia não saber que a canção foi gravada pelo baiano em dueto com o pastor Kleber Lucas, em gravação lançada em 2022. Tampouco que o olhar de Caetano sobre os evangélicos, como ele deixa evidente há anos em entrevistas, tem bem mais nuances do que a imagem que o senso comum projeta sobre esse grupo religioso.
Interessante perceber que, aos 82 anos, Caetano ainda é capaz de surpreender e provocar incômodo no público num show em que não havia a menor expectativa de desconforto, apenas de celebração. Ele também sabe ser careta, afinal, como disse em outra das canções presentes no repertório. Canção que, importante notar, conclui pedindo à vaca profana - portanto, sagrada ao avesso - que despeje chuva de leite bom (bênçãos?) sobre os caretas.
O desconforto da plateia, porém, foi breve e localizado - descontados os problemas de som que levaram a plateia a protestar mais de uma vez. A expectativa de celebração se cumpriu desde o primeiro momento, quando os irmãos entraram no palco já sobre os primeiros acordes de "Alegria, alegria". Posta ali, a canção soa como declaração de intenções do show e da existência de ambos. Afinal, seus primeiros versos, "Caminhando contra o vento/ Sem lenço, sem documento", exalam liberdade, assim como seu final, que repete como desafio a pergunta "Por que não?".