CRÍTICA - DISCO - A LIRA DO POVO: Um trabalho audacioso

Por Aquiles Rique Reis*

Em 'A Lira do Povo', Ayrton Montarroyos reúne canções emblemáticas de todas as identidades brasileiras em três suítes num espetáculo que chega agora como disco


Hoje tratarei de "A Lira do Povo" (Kuarup), o novo álbum do cantor Ayrton Montarroyos. Esse trabalho, à semelhança de Um Mergulho no Nada, de 2019, é feito de minúcias que o tornam um compêndio de experimentações vividas intensamente.

Com amplidão delirante e profunda, embasada em experiências arrebatadoras, a voz límpida de Ayrton ecoa um olhar aberto aos mundos e às gentes. Criador de detalhes perceptíveis a todas e todos, e, principalmente, a si próprio, Montarroyos desbrava almas e canta para revivê-las e, assim, as sentir reais. E o faz com tal emoção que o repertório selecionado se torna uno, indivisível e apto a expressar dilemas e certezas, dores e risos, coragem e esperança. Vidas embaraçadas, rasgadas pelo espinho que abre a pele e expõe as veias, como lavas incandescidas que escorrem como um rio à procura do mar.

As músicas têm a visão do mundo do cidadão que canta à vida. Mesmices? Nem pensar! Divididas em suítes, as canções reforçam o passar da saga humana. Tudo é parte de uma visão, de um instante em que o coração vai à garganta e solta a voz.

Eis a "Suíte I - Mítica": "O Trenzinho do Caipira" (Villa Lobos e Ferreira Gullar); "Viola Fora de Moda" (Edu Lobo e Capinan); citações: "Upa, Neguinho" (Edu Lobo e Gianfrancesco Guarnieri) e "Antônio das Mortes" (Sérgio Ricardo e Glauber Rocha); "Guriatã de Coqueiro" (Severino Rangel); "Pé do Lajeiro" (João do Valle, José Cândido e Paulo Bangu); citação: "Passarinho" (João do Vale e José Lunguinho), citação: "Passarinho"; "La Paloma" (Sebastian Yradier / versão Pedro de Almeida), citação: "Se Tu Quiser" (Xico Bizerra); "A Estrada do Sertão" (João Pernambuco e Hermínio Bello de Carvalho) e "Última Mentira" (Fagner e Capinan).

A "Suíte II - Lírica" tem "Canção Passarinho" (Luis Violão); "Línguas de Fogo" (Sidney Miller); citação: "Sol Negro" (Caetano Veloso); "Arrebentação" (Sérgio Ricardo); inserção: trecho de "Temporal" (Paulo Ruschell) na voz de Inezita Barroso e "A Mãe D'Água e a Menina" (Dorival Caymmi).

Já a "Suíte III - Épica" conta com "Gás Neon" (Gonzaguinha); "O Ferroviário" (César e Círus); citação: "É de Fazer Chorar" (Luiz Bandeira); "Macauã" (Sérgio Ricardo); "Plataforma" (Yuri Queiroga); "Febre do Rato" (Kiko Dinucci); "Conceição" (Jair Amorim e Valdemar de Abreu, o Dunga); citação: "Pauapixuna" (Paulo André e Ruy Barata); "As Ilhas" (Astor Piazzolla e Geraldo Carneiro) e "Maré" (domínio público).

Tudo traduz Ayrton Montarroyos. Vibrando essências no cantar, escutarei tal voz pelo tempo que me tocar. 

Ficha técnica: concepção, pesquisa e arranjos: Ayrton Montarroyos; direção musical, percussão, violão, baixo elétrico, sample, coro, synth e arranjos: Arquétipo Rafa; violões, coro e arranjos: Rodrigo Campos; flautas, coros, percussão e arranjos: Ariane Rodrigues; coro: Rhaissa Bittar, Mari Tavares e Tatiana Burg.

*Vocalista do MPB e escritor