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Chico Batera junta ritmos latinos com samba e rap em 'Atrevida', parceria com a cantora Lisa Castro

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Chico Batera: 'Ela é uma mulher com representatividade, bem resolvida. Era o recado que eu queria dar. A mulher pode ser muito mais dona de si quando seu atrevimento é pessoal e social

Um dos mais festejados instrumentistas brasileiros, Chico Batera conecta Madureira, Cuba e Estados Unidos em sua nova música, "Atrevida", uma parceria com a rapper Lisa Castro, que acaba de chegar às plataformas de música. Aos 81 anos, o baterista de Chico Buarque sente-se renovado com o lançamento do single, que une a harmonia da música cubana que tanto o influenciou, a batucada do samba que corre em suas veias e a poesia do rap.

A novidade do gênero de 'ritmo e poesia' encaixou perfeitamente com a identidade musical e conceitual da composição, uma ode à mulher, inspirada na música "Eu quero essa mulher assim mesmo", de Monsueto, porém sob uma ótica contemporânea e politizada. "Essa canção chegou numa hora importantíssima. Minha vontade de fazer uma coisa nova depois dessa idade era tão grande que não foi por acaso que pintou essa oportunidade do rap. A arte nunca chega de graça", conta ele, que lançou ano passado o livro "Chico Batera: Memórias de um músico brasileiro" e o show "Chico Batera - 80 anos".

Segundo o artista, o namoro do samba com a cultura musical norte-americana, em especial a black music, começou com nomes como Tim Maia, Cassiano e Banda Black Rio. Depois, nomes mais contemporâneos como Marcelo D2, Seu Jorge e Emicida trouxeram suas contribuições para o encontro dos gêneros. E em "Atrevida" esses rios desaguam, formando uma correnteza que atravessa a América Latina rumo aos Estados Unidos. "Todo baterista gosta de música cubana. Tenho uma afinidade e uma admiração pela musicalidade e resistência de lá. A cegonha quando me trouxe passou de raspão por Havana e foi parar em Madureira, que até parece Cuba", brinca o artista.

Chico, que conviveu com inúmeros músicos latinos quando viveu em Los Angeles, vê muita semelhança entre os países. "Não tem povo mais parecido com o brasileiro do que o cubano. A etnia é a mesma: África com Península Ibérica, Portugal, Indígenas. O brasileiro demora a se conscientizar que é latino", acredita.

O encontro com a poetisa, MC e slammer da Baixada Fluminense Lisa Castro aconteceu através do produtor Geraldinho Magalhães, do selo Diversão e Arte, que lança o novo trabalho em parceria com a Virgin Music Group. Ao apresentar a artista ao compositor, a admiração mútua foi imediata e Lisa escreveu cirurgicamente os versos que interpretou sobre a presença e a potência feminina. "Considero a palavra atrevida como um adjetivo de qualidade. Para mulheres pretas da Baixada Fluminense, como eu, ser atrevida, insolente, petulante é muito bom", diz ela, que busca em seus trabalhos escrever de forma "simples, potente e engajada", inspirada "na música e na vida" em mulheres como Nina Simone, Lauryn Hill, Conceição Evaristo, Elis Regina e Carolina Maria de Jesus.

Chico Batera derrama elogios à parceira e celebra o encontro com Lisa Castro. "Ela é uma mulher com representatividade, bem resolvida. Era o recado que eu queria dar. Nos EUA o rap tem uma conotação mais politizada, de protesto. No Brasil, o funk, que se popularizou como expressão da periferia, nessa questão da mulher acabou indo para o lado da banalização, da pornografia. Não tenho nada contra bunda, mas acho que a mulher pode ser muito mais dona de si quando seu atrevimento é pessoal e social, sem agressão, para além do rebolado", opina.

A cantora, por sua vez, agradece a oportunidade que a motivou a sair de sua "zona de conforto". "Me senti muito honrada com o convite. É a primeira vez que me aventuro numa participação em um estilo musical diferente do meu. Ainda mais com um ícone como ele. Fiquei muito feliz", diz Lisa, que já lançou os álbuns "O Sorriso da Monalisa", "Em Negrito" e prepara seu próximo EP para este ano, enquanto cursa a faculdade de Pedagogia.

A ousadia de Chico Batera não se limitou à parceria com a cantora. O músico desenvolveu uma nova afinidade musical com o ritmista, percussionista e co-produtor musical a faixa Felipe Tauil. A gravação de "Atrevida" também contou com outros nomes da MPB contemporânea, como Mariana Braga (cavaquinho e vocal), os metais de Dudu Oliveira (Flauta), Wanderson (Trombone) e Wharson Cardoso (Sax Barítono), além da celebrada presença do saudoso Arthur Maia no baixo, última gravação do músico antes de falecer. Já Chico Batera foi responsável pelo Arranjo, vibrafone, vocal e percussão da canção. "A linha de sopro veio de minhas memórias musicais dos bailes com os músicos cubanos. São lindas", lembra.

Ousado e atento, Chico Batera está sempre prestando atenção ao que acontece a seu redor. "Essa postura de 'eu já vi de tudo' é horrível! Sempre acontece coisas, sempre está acontecendo muita coisa", filosofa. E se depender dele, essa bateria ainda fará muitas viradas surpreendentes. "Pra mim a hora é agora; se eu não fizer hoje, vou fazer quando?", questiona o músico.