Um mergulho nas memórias

Dirigido por Andreia Pires, solo inédito de Silvero Pereira investiga histórias de infâncias de pessoas LGBTQIA

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Silvero Pereira diz que foi necessário recusar novos trabalhos no audiovisual para uma dedicação quase que totalmente exclusiva para o 'Pequeno Monstro'

Após estrear no Rio em maio e seguir para São Paulo e Fortaleza com apresentações lotadas, o monólgo "Pequeno Monstro" retorna à cidade para uma temporada e gratuita no Espaço Sérgio Porto até domingo (22). A ideia inicial do espetáculo surgiu há sete anos, quando Silvero Pereira começou a acompanhar algumas histórias de crianças LGBTQIA e identificou semelhanças com episódios vividos na sua própria infância.

Após uma longa pesquisa, ele retornou à sala de ensaio — depois de 12 anos da criação de seu último sucesso no teatro -, para iniciar o processo de criação da peça em parceria com a diretora Andreia Pires, sua colega na faculdade de Artes Cênicas, nos anos 2000, em Fortaleza.

Em cena, Silvero embaralha suas referências literárias e musicais com matérias jornalísticas e memórias pessoais e de pessoas diversas, quando passeia por lembranças da infância no interior do Ceará e por uma juventude turbulenta. Diss etambém ter conversado muito com integrantes de sua família, numa tentativa de entender sua própria jornada pessoal.

Ao resgatar vivências relacionadas à sexualidade e gênero, ele ironiza e denuncia práticas relacionadas ao machismo estrutural e à homofobia, duas condutas comportamentais normalizadas socialmente que agridem, traumatizam e condenam destinos. "Uso a minha história como fio condutor e ponta de um iceberg, e me coloco como escudo para outras histórias aqui relatadas. Essa fragmentação de histórias pessoais, ficcionais e de terceiros serve justamente para enfatizar que não se trata de exceção, de classe ou de um lugar, é um problema social grave e que precisa de ações efetivas", reflete o ator e autor.

"Pequeno Monstro" segue a mesma estrutura dramatúrgica adotada por Silvero em seus trabalhos passados como dramaturgo, em que também observava um panorama composto por diversas referências e influências. O intérprete ressalta ainda que a intenção é justamente provocar reflexões através da potência artística da montagem.

"Estamos fazendo uma peça de teatro, uma obra artística, não necessariamente um manifesto. Nossa função, como artistas, é trazer o tema com seriedade e a responsabilidade que ele exige, mas também atentar ao potencial estético e narrativo que servirão como alegorias para que a aproximação com o público ocorra dentro da liturgia do teatro", conta Silvero, cuja performance no espetáculo inclui números musicais, como a canção "Fera Ferida", de Roberto e Erasmo Carlos.

'Estamos mais violentos'

O projeto reflete sobre a realidade brasileira no que diz respeito à violência contra as populações LGBTQIA e todos os trágicos recordes de assassinatos que o Brasil acumula. "Estamos mais violentos, mas isso não se localiza somente neste tempo do agora, é mais profundo, se trata de um país historicamente violento desde sempre e que precisa de atenção, denúncia e busca por soluções", analisa.

O espetáculo marcou ainda a volta de Silvero Pereira ao teatro desde a estreia de "BR Trans", em 2012. Neste hiato de tempo, ele foi catapultado para o sucesso em projetos audiovisuais e experimentou diversas temporadas bem-sucedidas do monólogo. Recentemente, ele enfileirou hits, com suas participações em novelas ("A Força do Querer" e "Pantanal"), longas-metragens ("Bacurau") e programas como o The Masked Singer Brasil, em que foi o vencedor da última temporada. Atualmente, ele apresenta o reality Estrela da Casa e se prepara para a estreia do longa-metragem "O Maníaco do Parque", em que protagoniza. No entanto, ele não abandonou os palcos por completo e estreou recentemente um show com a obra de Belchior.

"Voltei ao teatro um tanto preocupado se ainda me sentia um ator de teatro. Sou formado em artes cênicas e com 25 anos de carreira dedicados aos palcos, mas por conta da demanda audiovisual me senti um tanto enferrujado e com a certeza de que nenhum ofício se vale pelo talento, mas sim pelo estudo e dedicação. Foi necessário recusar novos trabalhos no audiovisual para uma dedicação quase que totalmente exclusiva para o 'Pequeno Monstro', refazer treinos de corpo, voz e imaginação para construir um processo criativo que muito exigia de mim como ator, autor e artista', conta Silvero.

"No processo de criação, foi bonito ver o corpo do Silvero na sala de ensaio porque ele é um ator que potencializa tudo que já está ali no corpo dele. Ele já tinha uma dramaturgia erguida, organizada ali num texto escrito, mas isso foi se moldando e se modificando. Eu estou ali com o Silvero no trabalho dele. É como se eu estivesse entrando numa casa que não é minha, mas eu fui entrando e fui me sentindo em casa", conta Andreia Pires.

SERVIÇO

PEQUENO MONSTRO

Espaço Cultural Municipal Sergio Porto (Rua Humaitá, 163)

Até 22/9, de quinta a sábado (20h) e domingo (19h)

Entrada franca, com retirada de senha 1h antes do espetáculo