Aplaudidos na Espanha, inéditos no Brasil
Pérolas reveladas por San Sebastián nos últimos cinco anos seguem sem tela no Brasil
Por Rodrigo Fonseca
Especial para o Correio da Manhã
Love story descabelada daquelas de arrancar suspiros, "Um Amor", da catalã Isabel Coixet, segue inédita no Brasil um ano depois de sua passagem arrebatadora pelo Festival de San Sebastián, um garimpo de pérolas que o circuito exibidor nacional raramente valoriza como deveria. A partir de um best-seller homônimo de Sara Mesa, Coixet se detém sobre uma ex-bailarina e tradutora (Laia Costa) que se apaixona por um exótico aldeão (Hovik Keuchkerian) ao se mudar para o campo. Hovik ganhou o prêmio de Melhor Atuação Coadjuvante no evento basco, brilhou em projeções europeias variadas, mas segue sem espaço em salas brasileiras. É alarmante o fato de o único título brasileiro que já conquistou a Concha de Ouro (o troféu de maior prestígio da maratona ibérica), o thriller social "Pacificado", ambientado no Morro dos Prazeres, tenha passado quase dois anos e meio à espera de uma tela para estrear entre nós. Hoje, o longa-metragem de Paxton Winters pode ser visto na Disney .
Em 2020, San Sebastián promoveu a pré-estreia de uma joia espanhola com apelo comercial GG: "Sentimental". A direção é de Cesc Gay, realizador do fenômeno transatlântico "Truman" (2015), com Ricardo Darín. Esse seu trabalho mais recente do diretor catalão é uma versão para as telas de uma peça teatral de sua autoria: "Los Vecinos de Arriba". É uma peça que vendeu milhares de ingressos, na Europa e na Argentina. O filme dela derivado é um êxito nato para o terreno do humor. Mas, nenhuma dessas credenciais renderam a ele a chance de roubar os risos dos brasileiros em tela grande. Foi diretamente para a grade do Star (hoje Disney ). Casos como esse se amontoam.
Das edições anteriores de San Sebastián, o Brasil não viu, ainda, em lançamento comercial, o comovente "La Hija De Un Ladrón", de Belén Funes. Seu êxito no festival trouxe a indústria de Barcelona para o centro do debate de novos veios audiovisuais. Em 1999, com o sucesso internacional de "Tudo sobre minha mãe", que deu o Oscar a Pedro Almodóvar, as agências de exportação espanholas perceberam que cinema e televisão são, ainda, a maior diversão - hoje, inclua as plataformas de difusão digital nessa conta - e preparam uma série de projetos para fomentar a indústria cinematográfica e as grandes produtoras de conteúdo de TV de sua pátria. O resultado é uma produção que hoje domina Netflix, Amazon Prime, Globoplay e outras redes, contabilizando uma série de projetos de longas ou de seriados que angariam prêmios em todo o planeta, como é o drama dirigido por Belén. Ele foi indicado a 36 láureas, e ganhou dez, incluindo o troféu de melhor atriz para Greta Fernández. Na streaminguesfera, há uma disputa calorosa por esse folhetim.
Sua protagonista é Sara, papel de Greta. Em meio a uma epopeia profissional e pessoal para se firmar em seu novo trabalho, atacando de assistente de cozinha, Sara, portadora de uma leve deficiência auditiva, inventa múltiplas formas de otimizar seu tempo, entre elas usar seus dentes para cortar as unhas de seu bebê.
Outro achado espanhol que brilhou recentemente em San Sebastián e ainda não estreou entre nós é "Mediterrâneo", de Marcel Barrena. Sua narrativa flerta com o thriller e com o cinema catástrofe neste delicado estudo sobre a xenofobia contra os imigrantes que fogem de zonas de conflito na África para se refugiarem em terras gregas, na Ilha de Lesbos. Um salva-vidas (Eduard Fernández, em comovente atuação) fará de tudo para resgatar vítimas da exclusão que se debatem contra a violência do mar… e da política.
Em 2021, o júri de San Sebastián concedeu o prêmio de Melhor Roteiro à produção inglesa "Benediction", de Terence Davies (1945-2023), mas a vitória não lhe abriu a porta de complexos exibidores brasileiros. É uma biografia do poeta Siegfried Loraine Sassoon (1886-1967). Fora sua batalha de anos a fio contra a homofobia e a luta para comungar do Catolicismo, sem ser julgado, Sassoon brigou o máximo que conseguiu para fazer com que a literatura confrontasse a guerra da vida de seus leitores, pregando o pacifismo. O realizador de "Vozes Distantes" (1988) volta às telas usando a história de Sassoon como um manifesto antibelicista, fundindo imagens de arquivo de trincheiras com suntuosas sequências de ficção, estreladas por Jack Lowden.
Da América Latina, San Sebastián sempre busca joias para sua seleção Horizontes Latinos, que projeto este ano "Cidade, Campo", da paulista Juliana Rojas. De suas atrações de edições recentes, essa seção debruçada sobre nosso continente deu holofotes para "Jésus López", de Maximiliano Schonfeld, premindo ao cinema argentino a chance de comprovar, uma vez mais, o quanto a sua dramaturgia é autorregenerativa. Trata-se de uma história de fantasmas, centrada em um povoado em que a morte do rapaz assombra os moradores à sua volta, influindo na delicadeza do dia a dia. Mas, ainda não estreou. Ou seja, ainda tem muita coisa boa pra gente assistir.