Dá-lhe, Sganzerla!

Patrimônio mais valioso do cinema de Invenção brasileiro, o diretor catarinense terá o cult 'Abismu' projetado em cópia nova

Por Rodrigo Fonseca | Especial para o Correio da Manhã

Mostra exibe cópia inédita de 'Abismu', cult de Rogério Sganzerla, nesta terça, às 18h30, no Cinesesc

Lá se vão 20 anos que o realizador de "O Bandido da Luz Vermelha" (1968), Rogério Sganzerla (1946-2004), partiu sem pedir licença à saudade da gente. Reverenciado por estudiosos de todo o país e preservado como patrimônio do chamado Cinema de invenção, o diretor nascido em Joaçaba (SC) e radicado entre SP e o Rio de Janeiro teve sua obra preservada e difundida graças ao trabalho hercúleo de sua companheira (de vida e trabalho), a atriz e diretora Helena Ignez, e de suas filhas, Sinai e Djin Sganzerla, ambas cineastas. A fim de celebrar seu legado - e reconhecer todo o esforço de sua família em prol da cultura nacional -, a Mostra de São Paulo resserviu espaço em sua reta final para homenagear esse titã das telas com uma projeção, nesta terça, às 18h30, no CineSesc, de um de seus longas mais radicais: a ficção "Abismu", de 1977, também conhecida como "O Abismo". Há um ano, uma cópia digitalizada estalando de nova do filme foi projetada no Festival de Locarno, na Suíça, recebida por uma calorosa declaração do curador Giona A. Nazzaro: "Se Sgarnzerla tivesse nascido na França, ou na Itália, ele seria reverenciado como um gigante entre os realizadores de seu tempo".

Godardiano até a alma, "Abismu" aposta numa constelação de mitos (Norma Bengell; José Mojica Marins; Wilson Grey; e Jorge Loredo, o Zé Bonitinho) ao narrar uma trama sobre manuscritos perdidos e civilizações ancestrais. Em sua trama, inscrições em algumas das cavernas da Pedra da Gávea, que remontam ao período pré-colonial, deflagram um tributo ao músico Jimi Hendrix e ao poder de Mu, divindade fenícia celebrada por um fanatizado e intergaláctico Loredo.

Diretora do premiado "Canção de Baal" (2009), Helena Ignez reage com alegria à opção de festivais por um filme de seu parceiro de amor e criação que é embalado por Jimmy Hendrix. Na época da exibição em Locarno (onde foi premiada em 2010, por "Luz nas Trevas", espécie de sequência espiritual de "O Bandido..."), a estrela explicou ao Correio que "Rogério é um pensador profundo". Segundo ela, o cineasta "usa o humor como um elemento fortíssimo na filmografia dele, um elemento da profundidade. No caso do 'Abismu', a música do Hendrix evoca nossa ancestralidade. Hendrix era um negro de ascendência indígena. Ele nos representa profundamente. Reflete nosso território também".