Por: Affonso Nunes

Paraíso do Tuiuti: visibilidade LGBTQIAPN+ na passarela

Imagem do ensaio técnico da Paraíso do Tuiuti | Foto: Alex Ferro/Riotur

Xica Manicongo, considerada a primeira travesti do Brasil, foi uma mulher trans escravizada que viveu em Salvador no século XVI. Sua trajetória, marcada pela violência que ainda atinge pessoas trans e travestis no país, será levada à Marquês de Sapucaí pela Paraíso do Tuiuti. 

O desfile do enredo "Quem tem medo de Xica Manicongo", assinado pelo carnavalesco Jack Vasconcelos, terá lideranças e ativistas trans, entre as quais as deputadas federais Érika Hilton (PSOL-SP) e Duda Salabert (PDT-MG), a vereadora Amanda Paschoal (PSOL-SP) e a deputada estadual Dani Balbi (PCdoB-RJ), além de ativistas dos direitos humanos.

Ao homenagear Xica Manicongo, a escola populariza a história da escravizada trans que trabalhou como sapateira em Salvador. Relatos históricos indicam que ela não aceitava o nome masculino, tampouco, os trajes masculinos e se vestia de acordo com sua identidade de gênero, como mulher, com um pano amarrado ao corpo. Xica foi violentamente reprimida pela época, acusada de sodomia e condenada à morte pelo Tribunal do Santo Ofício, queimada viva em praça pública, o que mostra as raízes coloniais da violência contra essa população e que se perpetua até os dias de hoje.

Para Erika Hilton, participar do desfile é uma honra e uma oportunidade de resgatar a história de Manicongo. "Sempre estivemos no carnaval — pessoas trans, travestis, a comunidade LGBTQIA —, mas faltavam nossos heróis e heroínas", comenta. "Que o maior recado seja dado: basta de preconceito, intolerância e ódio. Outras Xicas não podem mais ser levadas à fogueira."

 

ENREDO: "Quem tem medo de Xica Manicongo"

Só não venha me julgar Ô Ô
Pela boca que eu beijo
Pela cor da minha blusa
E a fé que eu professar
Não venha me julgar
Eu conheço o meu desejo
Este dedo que acusa
Não vai me fazer parar
Faz tempo que eu digo não
Ao velho discurso cristão
Sou Manicongo
Há duas cabeças em um coração
São tantas e uma só
Eu sou a transição
Carrego dois mundos no ombro

Vim Da África Mãe Eh Oh
Mas se a vida é vã Eh Oh
Mumunha
Jimbanda me fiz
N Ganga é raiz
Eu pego o touro na unha

A bicha, invertida e vulgar
A voz que calou o “Cis tema”
A bruxa do conservador
O prazer e a dor
Fui pombogirar na Jurema

Chama a Navalha, a da Praia e a Padilha
As perseguidas na parada popular
E a Mavambo reza na mesma cartilha
Pra quem tem medo o meu povo vai gritar

Eu travesti
Estou no cruzo da esquina
Pra enfrentar a chacina
Que assim se faça

Meu Tuiuti
Que o Brasil da terra plana,
Tenha consciência humana
Chica vive na fumaça

Eh! Pajubá!
Acuendá sem xoxá pra fazer fuzuê
É Mojubá
Põe marafo, fubá e dendê (Pra Exu)

Autores: Claudio Russo e Gustavo Clarão