Por: Affonso Nunes

Os orixás dançam

André Balbino (ao centro no fundo) com os integrantes da banda: o álbum 'dança dos Orixás foi gravado ao vivo no estúdio do pianista e compositor | Foto: Divulgação


O compositor e pianista André Balboni mergulhou na tradição afro-brasileira para criar seu mais recente álbum, "Dança dos Orixás", um trabalho meticuloso de pesquisa que propõe um encontro entre as religiões de matriz africana e o jazz. Um jazz que remete a Moacir Santos (1926-2006), imprimindo ao trabalho uma identidade genuinamente brasileira. O álbum homenageia Exu, Pomba-Gira, Iemanjá Ogunté e ainda revê a clássica "Igrejinha" de Hermeto Pascoal.

"Dança dos Orixás" foi escrito e produzido para uma formação de jazz tradicional: bateria, contrabaixo, piano, saxofone, trompete e percussão. "A proposta é destacar a tradição da música brasileira, que abrange desde a música de terreiro do candomblé até os afro-sambas e o jazz brasileiro", explica Balboni cujas composições reverenciam a chamada música preta brasileira, extraindo de seus ritmos e harmonias uma sonoridade essencialmente dançante, capturando a vitalidade e o axé das entidades religiosas.

Além da excelente banda formada músicos de destaque da cena jazzística de São Paulo e com a participação especial da premiada saxofonista Sintia Piccin, o disco foi gravado ao vivo no estúdio do compositor.

A produção contou também com a mentoria do babalorixá Pai Sidnei, da Casa de Xangô, que acompanhou o projeto desde sua concepção. Esse trabalho a quatro mãos foi fundamental para assegurar ao disco não apenas a reverência a tradição do candomblé, mas também a propagação do impulso espiritual dos orixás para além dos terreiros.

"Em tempos de rigidez, dureza e ódio, precisamos fluir, os Orixás dançam. Eles nos ensinam que é na melodia existencial que nos encontramos para amar, para existir sem medo. A Dança dos Orixás não é apenas música — é vida, é alegria, é ar, fogo, terra e água traduzidos pelos sons que se encontram no centro da encruzilhada e geram uma espiral de múltiplos sentidos", comenta o líder espeititual.

O compositor conta que idealizou a concepção estética do álbum a partir dos passos das danças de cada orixá, pois é através da coreografia e do toque dos instrumentos de percussão que os orixás se manifestam, de forma intuitiva e não verbal. "No disco, os instrumentos musicais funcionam como cantos dos orixás, com cada composição representando uma faceta única dessas entidades através da magia do ritmo, da melodia e da harmonia. 'Dança dos Orixás' não se trata de música de terreiro, mas uma oração e homenagem aos orixás traduzida para uma estrutura musical acessível a uma outra parcela do público que é o jazz", destaca Balboni.

Na faixa "Encruzilhada: Dança de Exu", por exemplo, Balboni cria um ambiente propício para improvisos polirrítmicos e polifônicos, onde cada músico escolhe uma escala modal para desenhar uma melodia, simbolizando os múltiplos caminhos de Exu. A música busca evocar o tom de abertura e a ideia de escolha de rumos, como se a encruzilhada fosse um ponto de decisão.

Outro exemplo: Em "Dança de Logun Edé", a batida tradicional de ijexá, associada ao orixá conhecido por sua beleza, é permeada por influências dos afro-sambas de Vinicius de Moraes e Baden Powell.

Cada composição no álbum reflete a presença de um orixá, seja no ritmo, na melodia ou na harmonia. Assim, os orixás aparecem e desaparecem nas danças e provocações sonoras, seguindo a tradição de grandes nomes como Dorival Caymmi, Vinicius de Moraes, Baden Powell e Moacir Santos, que também buscaram trazer à tona as questões essenciais da música dos orixás.

André Balboni é um músico e compositor brasileiro residente em São Paulo. Seus trabalhos mesclam jazz e música clássica, com influências que vão de Villa-Lobos a Tom Jobim. Além de compositor de trilhas sonoras para filmes e documentários, Balboni é professor e produtor musical. Em sua carreira, gravou e produziu três álbuns: "Ser-Tao" (2019), inspirado no "Grande Sertão: Veredas" de Guimarães Rosa; "Satie For Lovers" (2021), uma homenagem ao compositor francês Erik Satie; e "Cais" (2024), com composições próprias e de Dorival Caymmi e Milton Nascimento. Balboni também é estudioso da interface entre música e filosofia e publicou o livro "Sopro das Musas - Fundamentos filosóficos da música" (2018).