Febre de BDs

Culto em torno do filme baseado em HQs 'O Assassino', hoje na Netflix, amplia a procura por gibis de origem francesa no mercado editorial brasileiro

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O Voo do Corvo

Por Rodrigo Fonseca

Especial para o Correio da Manhã

Encarado por parte expressiva da crítica cinematográfica como um dos melhores filmes do ano, "O Assassino", de David Fincher, com Michael Fassbender, disponível na grade da Netflix, tem como gênese as histórias em quadrinhos europeias. Sua argamassa é "Le Tueur", uma série de tramas policiais quadrinizadas pela dupla Matz (autor dos roteiros) e Luc Jacamon (seu desenhista), que foi publicada originalmente pela editora Casterman, a partir de 1998, na coleção Ligne Rouge, na França.

Trata-se da saga de um matador cheio de tormentos, alienado da culpa a partir do senso de perfeccionismo radical que move seu gatilho. O cult em torno do novo longa-metragem do realizador de "Clube da Luta" (1999) vem despertando o interesse do audiovisual e mesmo do mercado editorial latino-americano pela linhagem de gibis ao qual o matador vivido brilhantemente por Fassbender se reporta: as chamadas BDs. Banda Desenhada é o nome que se usa no Velho Mundo pra definir uma série de álbuns gráficos em quadrinhos, de luxo, em capa dura, que optam por narrativas de gênero (fantasia, sci-fi, faroeste) ou por aulas de História (cheias de poesia) mas trilham caminhos que fogem do maniqueísmo. Nos EUA, quem dá as cartas nesse mercado é a Marvel e a DC. Mas, na França, quem gira a roda são tramas adultas, calcadas em temas políticos, que dissecam mitos e biografam artistas. É possível encontrarmos alguns bons exemplares do gênero no país.

Em sintonia com o lançamento da Netflix de "As Ladras", a editora Pipoca e Nanquim lança por aqui uma versão da HQ que inspirou o filme estrelado e dirigido por Mélanie Laurent: o thriller gráfico "A Grande Odalisca", escrito por Bastien Vivès e desenhado por Florent Ruppert. Nele, Alex e Carole, duas assaltantes sedutoras e desencanadas, voam alto em seus golpes e são capazes de furtar qualquer coisa, em qualquer museu. Mas diante da dificuldade de sua próxima missão, que as levará ao Louvre para surrupiar a obra-prima de Jean-Auguste Dominique Ingres, elas saem em busca de uma terceira colega. Será que a motociclista Sam, com seus vários talentos, estará à altura do cargo?

Nas lojas especializadas do Rio e de São Paulo, algumas das melhores BDs com tradução trazem a marca criativa do cineasta, tarólogo e xamã chileno (radicado na França) Alejandro Jodorowsky, o diretor de "El Topo" (1970), como é o caso da BD "Sangue Real", já à venda na Amazon, sob edição da Comix Zone. Dongzi Liu ilustra o álbum, regando sequências de batalhas capa & espada com coágulos frescos. A trama começa com um rei, o destemido Alvar, ferido, traído e abandonado à beira da morte. Destruído por seus inimigos, ele jura recuperar seu trono e seus direitos. Com o coração inflamado por um ódio selvagem, ele semeia a loucura e o terror, até que sua sede de vingança se volta contra ele, em um turbilhão de lágrimas e sangue. São 232 páginas de cores exuberantes.

Jodorowsky volta a soltar seus demônios avessos a moralismos em "Bórgia", amparado pelo traço do mais renomado erotômano do quadrinho na Europa: o italiano Milo Manara. A edição da Pipoca e Nanquim compila quatro volumes publicados no exterior entre 2004 e 2010 num tijolaço caliente de 228 páginas. Sua narrativa nos leva ao século XV, um tempo no qual, por meio de intrigas, subornos, ameaças e outros crimes, o espanhol Rodrigo Bórgia torna-se o papa Alexandre VI e dá início a um dos períodos mais controversos e deturpados da Igreja Católica, enquanto ostenta o cargo de seu representante máximo (de 1492 a 1503). Tido como o sumo pontífice mais corrupto de todos os tempos, ele faz de sua família o primeiro clã mafioso da História.

Também nos chega via Pipoca & Nanquim o imperdível "O Voo do Corvo", de Jean-Pierre Gibrat ("Destino Adiado"). Por meio de suntuosas ilustrações, somos levados a 1944, durante a ocupação alemã da França. O cerco nazista já está com os dias contados quando Jeanne, combatente da Resistência, é presa após uma denúncia anônima. Enquanto aguarda ser entregue às tropas hitleristas, ela conhece François, um debochado ladrão que a ajuda a escapar e os lança em uma aventura fascinante pelos telhados de Paris.

Um dos mais sólidos best-sellers das BDs da terra de Astérix, "Blacksad", já pode ser lida em português, graças ao empenho da editora do Sesi-SP. "Algum Lugar em Meio às Sombras" e "Alma Vermelha" podem ser adquiridos nas livrarias, narrando a saga de um gato investigador numa América onde todos são bichos. Crocodilos de presas afiadas podem ser garçons de coração mole enquanto albatrozes de bico fino podem representar gângsteres implacáveis no mundo antropomórfico criado pelos espanhóis Juan Díaz Canales (roteirista) e Juanjo Guarnido (desenhista).