Por: Rodrigo Fonseca | Especial para o Correio da Manhã

Miyazaki nas alturas

Hayao Miyazaki em entrevista em vídeo para o Festival de San Sebastián | Foto: Divulgação

Em cartaz nas livrarias estrangeiras (e na Amazon) com "Shuna's Journey", livro ilustrado com cara de mangá hoje elevado ao status de best-seller, o animador japonês Hayao Miyazaki anda com a indústria do entretenimento na mão em sua volta aos holofotes, depois de quase uma década de hiato.

Aos 82 anos, ele recebeu esta semana uma indicação para concorrer ao Globo de Ouro de Melhor Longa de Animação, na cerimônia agendada para o dia 7 de janeiro, pela Hollywood Foreign Pressa Association (HFPA) com seu novo exercício autoral, "O Rapaz e a Garça".

O endosso da associação de correspondentes estrangeiros de Los Angeles chegou na esteira do estrondoso sucesso de bilheteria de seu desenho animado, cuja arrecadação chegou a US$ 97 milhões. Neste fim de semana pela pode chegar a US$ 120 milhões, a julgar pelas apostas do mercado exibidor estrangeiro. Por aqui, a produção segue inédita.

Sua narrativa se escora na habilidade única de Miyazaki para incorporar situações melancólicas em contextos de aventura e tramas de autodescoberta. Vem sendo assim desde sua estreia na direção, em 1972, com o curta-metragem "O Sol de Yuki".

Distante do circuito exibidor desde 2013, quando lançou "Vidas ao Vento", o artesão maior da chamada japanimation regressa aos cinemas bem escudado por sua produtora, o Studio Ghibli, ao lançar "The Boy and The Heron" (nome em inglês de "O Rapaz e a Garça"). O título original era "How Do You Live", pois havia uma suspeita de que a base do roteiro seria um livro homônimo, um romance de 1937 escrito por Genzaburo Yoshino. Mas o Ghibli, por meio de uma reportagem da revista "Variety", atestou que, embora Miyazaki seja um grande fã desse autor, a trama fala de outras questões ligadas a sequelas da campanha nipônica na II Guerra Mundial. Coube ao diretor abrir o Festival de San Sebastián com o longa, em setembro.

Na ocasião, pessoas fantasiadas de Totoro, o mais famoso personagem da fauna do Ghibli, amanheceram numa fila imensa, debaixo de uma garoa incessante, pra conferir a passagem do arrebatador retorno de Miyazaki ao écran. A espera e a chuva fria do evento espanhol foram compensadas com um exuberante exercício gráfico do ganhador do Oscar (e do Urso de Ouro de 2002) por "A Viagem de Chihiro". É uma promessa para a estatueta da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood, que o adora. Nele, vemos um enredo melancólico sobre a aceitação da finitude e a superação do luto, mas narrada com uma direção de arte muito colorida. Seu protagonista, o menino Mahito, muda-se para o interior do Japão, no fim dos anos 1930, após a perda de sua mãe, e lá é assombrado por uma garça falante que o arrasta para uma espécie de limbo. Pelicanos selvagens e uma horda de periquitos atacam o rapaz, que precisa aprender a se deixar amar para amadurecer

Há sempre cicatrizes da realidade histórica na obra do oscarizado diretor de "O Castelo Animado" (2004). Seus personagens são sempre signos de conflitos morais de sua pátria, vide o aviador Marco Porquinho, de "Porco Rosso", ou a peluda criatura de "My Neighbor Totoro", lançado em 1988.

Em meio a seu afastamento das longas, Miyazaki rodou um curta, "Boro The Caterpillar", feito para ser exibida no parque temático do Ghibli, que adotou um sistema de marketing bastante inusitado para o lançamento do regresso de seu astro rei aos cinemas. Nada se falou, até os festivais de Toronto e de San Sebastián, sobre esse novo filme. Nada se contou, nada se fez antecipar, e o cartaz dele se resume à imagem de um pássaro, sem qualquer conexão com a ideia antes divulgada de que seria uma trama sobre a educação sentimental de um rapaz. Seria e, de fato, é, pois esse é o eixo temático do cineasta, que sempre valorizou figuras corajosas e empoderadas de jovens mulheres como protagonistas, a jugar por sua princesa Mononoke.

Sua fauna de criações foi transformada em bonecos, lancheiras e camisetas, mostrando o interesse da indústria pop por esse Walt Disney asiático, que fez de Totoro seu Mickey. Um Mickey nada moralizante. Essa corrida pelas quinquilharias nerds do Ghibli ampliou a atenção de gibiterias por "Shuna's Journey".

Baseado numa lenda tibetana, a graphic novel narra o périplo de um príncipe para encontrar lima semente capaz de alimentar seu povo faminto. No percurso, ele se encanta por uma jovem chamada Thea. Ao salvá-la de seus captores, esse nobre, chamado Shuna, acaba se embrenhando em mil perigos nos rastros de uma divindade. Miyazaki assina os desenhos e o animador holandês Alex Dudok de Wit (de "A Tartaruga Vermelha") traduziu os diálogos do mestre para o inglês. As boas vendas do título podem aumentar com a venda de ingressos de "O Rapaz e a Garça" e sua potencial conquista do Globo de Ouro.

 

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