Aline Zouvi: 'Histórias desse tamanho me interessam mais, podem criar uma relação maior com os leitores'
Quadrinista se lança nas 'graphic novels' com estilo que mistura tatuagens a HQs
"Enquanto quadrinista a gente pode seguir vários caminhos, ficar nas tirinhas ou em histórias menores. O que me fez ir para a 'graphic novel' foi a vontade de explorar com mais calma uma narrativa." É o que diz Aline Zouvi sobre sua primeira história longa, "Pigmento", lançada agora pela Companhia das Letras. No mercado literário se usa o termo "graphic novel" - ou romance gráfico - para se referir a histórias mais longas e complexas que as HQs.
"Graphic novel é um termo assumidamente de marketing que começou a ser usado nos Estados Unidos para quadrinhos que têm formato de livro", afirma o jornalista, crítico e tradutor Érico Assis, que se especializa no assunto. "Também é um sinalizador de prestígio, de requinte - uma gourmetização dos quadrinhos."
Segundo Érico, essa percepção também costuma considerar os quadrinhos um gênero menor, a "mesa das crianças" na literatura. "A forma como os quadrinhos são tratados na grande imprensa reflete isso muito bem: quadrinho vira pauta quando aspira a ser literatura".
Mas o que diferencia "Pigmento" dos outros trabalhos de Zouvi é o processo de produção. Enquanto ela leva de seis horas a um dia para produzir uma página de HQ ou cartum; "Pigmento" levou cinco anos entre o planejamento da narrativa, pesquisas, desenhos, redesenhos e ajustes digitais.
A história mais longa permitiu à autora explorar suas personagens de forma mais profunda. "Pigmento" conta a história de uma jovem tatuadora que não consegue fixar tinta em sua pele. Sua vida muda quando ela conhece uma restauradora de livros e, desde o primeiro momento, nasce uma relação de fascínio.
"Pigmento" combina dois universos visuais, o da tatuagem e o dos quadrinhos. "Minha intenção era explorar essa combinação e tratar de temas que já tratei em outras histórias, como saúde mental, personagens LGBTQIA ". Aline também explorou temáticas inéditas em sua carreira como a psicanálise e personagens idosas.
"Histórias desse tamanho me interessam mais, podem criar uma relação maior com os leitores", afirma ela. "Algumas pessoas me marcam em posts e stories agradecendo pela leitura, principalmente o público LGBT, contente com uma representação não estereotipada."
Assis afirma que "existe demanda" para histórias mais longas no mercado editorial brasileiro. "Existe um público leitor e estrutura nas editoras para produzir e vender 'graphic novels'."
Zouvi faz coro e diz que o hábito está incrustado nos brasileiros. "Todo mundo lê quadrinhos quando é criança, lê Mauricio de Sousa. Só que, na vida adulta, o que me fez voltar a ler quadrinhos foi uma "graphic novel", foi "Persépolis" da Marjane Satrapi."
Outro romance gráfico que também reintroduziu Aline aos quadrinhos foi "Fun Home", de Alison Bechdel. A quadrinista americana é uma referência para Aline, que cursou um mestrado sobre o trabalho dela. A intertextualidade usada por Bechdel, tanto no roteiro quanto no desenho das HQs, se reflete em "Pigmento".
"Esse passeio por outras matérias e assuntos, de forma a conectar isso com a história principal, foi uma expressão que a Alison Bechdel me deu", afirma a brasileira.
Zouvi afirma estar disposta a desenvolver mais histórias com a profundidade narrativa de "Pigmento". "A 'graphic novel' é um universo encantador para mim, eu quero continuar fazendo, mas tendo em mente que o livro tem o seu próprio tempo. Enquanto isso vou tentando fazer histórias menores."