Por: Rodrigo Fonseca | Especial para o Correio da Manhã

Perrengues e conquistas dos infernos

Desenho animado do vigilante infernal está na grade da HBO Max e as bancas contam com bons títulos do personagem criado por Todd McFarlane | Foto: Divulgação

Está por um fio o projeto de longa-metragem do anti-herói Spawn, com Jamie Foxx, que o quadrinista Todd McFarlane acalenta há quase duas décadas. Se o roteiro não ficar pronto a tempo, a produção de Jason Blum pode retirar seu apoio ao projeto. Mas o jogo pode mudar para o personagem que foi um fenômeno de vendas nos anos 1990 e que, nas próximas semanas, vai ganhar um uniforme novo em sua revista mensal nos EUA. No Brasil, as boas novas são duas linhas de HQs com a marca Spawn. Uma resgata as tramas clássicas do personagem em edição encadernada. A outra é um compilado com tramas inéditas na fase mais recente de Al Simmons (a identidade do vigilante).

"O Spawn exige um orçamento maior do que o dos meus filmes de terror, custando cerca de US$ 50 milhões, para assegurar bons efeitos visuais, que façam jus ao quadrinho", disse Blum ao Correio da Manhã no Festival de Locarno, na Suíça.

Toda essa agitação audiovisual amplia o interesse pela edição da Panini, com 160 páginas de tramas escritas por McFarlane, ilustradas por Jason Shawn Alexander. Artistas convidados que já ilustraram Spawn - como Greg Capullo, J.Scott Campbell, Jerome Opeña - vão estar lá. Há ainda uma edição à venda no www.panini.com.br narrando um encontro entre o Soldado do Inferno e o Batman.

Ao fim da pandemia, em 2021, a vida do personagem de HQs mais simbólico da revolução visual (e anatômica) da indústria gráfica da década de 1990 foi repaginanda com a chegada do arco "GunSlinger". O título, que já dispõe de uma revista só dele, faz referência a um novo e feroz anti-herói concebido para trazer elementos de faroeste a um universo de fantasia no qual ação e terror caminham próximos: o pistoleiro Javier. A figura renovou a mítica do gibi criado há 32 anos por McFarlane, que hoje é o dono da maior linha de action figures, ou seja, bonecos para colecionadores adultos do mundo. Essa saga aproximou a grife Spawn da busca do mercado editorial dos EUA por vigilantes de origem hispano-americana.

Lá fora, nos EUA, de cara, as batalhas de Javier contra agentes das trevas e anjos de má índole saem pelo selo Image Comics e venderam 385 mil unidades em sua arrancada, o que representa um best-seller. É uma narrativa escrita pelo próprio McFarlane, com Aleš Kot, e desenhos de Kevin Keane, Brett Booth, Adelso Corona e Philip Tan, com cores de Ivan Nunes, num tom de western à la Clint Eastwood.

Javier, o GunSlinger Spawn, é um pistoleiro que teve seu corpo e sua alma amalgamados a uma força infernal que dá a ele numerosos poderes (sem contar a ampliação de seu gatilho infalível) num Velho Oeste assolado de assombrações. Na atual safra de aventuras de Javier, ele vem ao nosso presente, onde enfrenta o demônio Violador (um palhaço assassino) e se une ao Spawn do nosso tempo, o já citado Al Simmons.

Nos anos 1990, houve uma série de animações com Simmons, que hoje pode ser vista na HBO Max, trazendo o vozeirão de Keith David na boca de Al. Lá está também um filme de 1997, dirigido por Mark A.Z. Dippé, no qual Michael Jai White viveu Simmons. O longa faturou 87 milhões em sua carreira comercial.

No Brasil, em 2022, a New Order Editora (https://newordereditora.com/) lançou um belo encadernado para celebrar as três décadas do personagem. É uma coletânea chamada "Hellspawn", com arte de Ashley Wood e Ben Templesmith e tramas de Brian Michael Bendis e Steve Niles, reunindo 16 edições do gibi americano de Simmons, uma figura que revolucionou os quadrinhos.

Há três décadas, a indústria das HQs, acostumada a vigilantes brancos, tomou um baita baque quando leu as aventuras (de timbre antirracistas) de Al Simmons, um fuzileiro naval americano preto. Ele trabalhava para a CIA em missões sigilosas, e, ao ser morto em combate e descer Inferno abaixo, firmava um pacto com um demônio para regressar à Terra. Sua volta tinha um motivo: manter-se perto de seu grande amor, Wanda. Mas o diabo Malebolgia, traiçoeiro, engana Simmons. O acordo que fez era uma desculpa para que o militar, cheio de proficiências bélicas, fosse transformado num soldado perfeito para as forças das trevas desafiarem a hegemonia de Deus e sua horda de anjos. Ele, ali, deformado pelo fogo infernal, ganhou um traje mascarado, uma capa viva, capaz de servir de arma, e uma série de superpoderes. Nascia ali um novo Spawn, a semente do Mal, renovando uma linhagem de acólitos das Sombras. Mas, por sua paixão, Simmons se revolta, abrindo precedente para uma cruzada, de tons antirracistas.