Perrengues e conquistas dos infernos
Grife mais inventiva dos gibis da década de 1990, 'Spawn' ganha sobrevida no Brasil em quadrinhos da Panini, mas pena para brilhar nos cinemas em projeto com Jamie Foxx
Está por um fio o projeto de longa-metragem do anti-herói Spawn, com Jamie Foxx, que o quadrinista Todd McFarlane acalenta há quase duas décadas. Se o roteiro não ficar pronto a tempo, a produção de Jason Blum pode retirar seu apoio ao projeto. Mas o jogo pode mudar para o personagem que foi um fenômeno de vendas nos anos 1990 e que, nas próximas semanas, vai ganhar um uniforme novo em sua revista mensal nos EUA. No Brasil, as boas novas são duas linhas de HQs com a marca Spawn. Uma resgata as tramas clássicas do personagem em edição encadernada. A outra é um compilado com tramas inéditas na fase mais recente de Al Simmons (a identidade do vigilante).
"O Spawn exige um orçamento maior do que o dos meus filmes de terror, custando cerca de US$ 50 milhões, para assegurar bons efeitos visuais, que façam jus ao quadrinho", disse Blum ao Correio da Manhã no Festival de Locarno, na Suíça.
Toda essa agitação audiovisual amplia o interesse pela edição da Panini, com 160 páginas de tramas escritas por McFarlane, ilustradas por Jason Shawn Alexander. Artistas convidados que já ilustraram Spawn - como Greg Capullo, J.Scott Campbell, Jerome Opeña - vão estar lá. Há ainda uma edição à venda no www.panini.com.br narrando um encontro entre o Soldado do Inferno e o Batman.
Ao fim da pandemia, em 2021, a vida do personagem de HQs mais simbólico da revolução visual (e anatômica) da indústria gráfica da década de 1990 foi repaginanda com a chegada do arco "GunSlinger". O título, que já dispõe de uma revista só dele, faz referência a um novo e feroz anti-herói concebido para trazer elementos de faroeste a um universo de fantasia no qual ação e terror caminham próximos: o pistoleiro Javier. A figura renovou a mítica do gibi criado há 32 anos por McFarlane, que hoje é o dono da maior linha de action figures, ou seja, bonecos para colecionadores adultos do mundo. Essa saga aproximou a grife Spawn da busca do mercado editorial dos EUA por vigilantes de origem hispano-americana.
Lá fora, nos EUA, de cara, as batalhas de Javier contra agentes das trevas e anjos de má índole saem pelo selo Image Comics e venderam 385 mil unidades em sua arrancada, o que representa um best-seller. É uma narrativa escrita pelo próprio McFarlane, com Aleš Kot, e desenhos de Kevin Keane, Brett Booth, Adelso Corona e Philip Tan, com cores de Ivan Nunes, num tom de western à la Clint Eastwood.
Javier, o GunSlinger Spawn, é um pistoleiro que teve seu corpo e sua alma amalgamados a uma força infernal que dá a ele numerosos poderes (sem contar a ampliação de seu gatilho infalível) num Velho Oeste assolado de assombrações. Na atual safra de aventuras de Javier, ele vem ao nosso presente, onde enfrenta o demônio Violador (um palhaço assassino) e se une ao Spawn do nosso tempo, o já citado Al Simmons.
Nos anos 1990, houve uma série de animações com Simmons, que hoje pode ser vista na HBO Max, trazendo o vozeirão de Keith David na boca de Al. Lá está também um filme de 1997, dirigido por Mark A.Z. Dippé, no qual Michael Jai White viveu Simmons. O longa faturou 87 milhões em sua carreira comercial.
No Brasil, em 2022, a New Order Editora (https://newordereditora.com/) lançou um belo encadernado para celebrar as três décadas do personagem. É uma coletânea chamada "Hellspawn", com arte de Ashley Wood e Ben Templesmith e tramas de Brian Michael Bendis e Steve Niles, reunindo 16 edições do gibi americano de Simmons, uma figura que revolucionou os quadrinhos.
Há três décadas, a indústria das HQs, acostumada a vigilantes brancos, tomou um baita baque quando leu as aventuras (de timbre antirracistas) de Al Simmons, um fuzileiro naval americano preto. Ele trabalhava para a CIA em missões sigilosas, e, ao ser morto em combate e descer Inferno abaixo, firmava um pacto com um demônio para regressar à Terra. Sua volta tinha um motivo: manter-se perto de seu grande amor, Wanda. Mas o diabo Malebolgia, traiçoeiro, engana Simmons. O acordo que fez era uma desculpa para que o militar, cheio de proficiências bélicas, fosse transformado num soldado perfeito para as forças das trevas desafiarem a hegemonia de Deus e sua horda de anjos. Ele, ali, deformado pelo fogo infernal, ganhou um traje mascarado, uma capa viva, capaz de servir de arma, e uma série de superpoderes. Nascia ali um novo Spawn, a semente do Mal, renovando uma linhagem de acólitos das Sombras. Mas, por sua paixão, Simmons se revolta, abrindo precedente para uma cruzada, de tons antirracistas.