Por: Rodrigo Fonseca | Especial para o Correio da Manhã

Zagor, o Espírito da Machadinha reencarna

Zagor foi criado em 1961 por Guido Nolitta (pseudônimo de Bonelli) e Gallieno Ferri. Seus gibis se popularizaram nos anos 1970 e até hoje despertam interesse de colecionadores | Foto: Divulgação

Popularizado entre os brasileiros em 1978, pela extinta editora Vecchi, após uma exitosa safra de HQs lançadas na Europa, Zagor - espécie de irmão mais moço do caubói Tex na linha de gibis da Sergio Bonelli Editore, uma das maiores grifes quadrinísticas do mercado pop - volta a viver uma fase de enamoramento com os brasileiros. Acaba de sair um luxuoso crossover dele com o universo DC Comics, numa edição especial no qual faz duo com o velocista Flash.

Graças aos esforços da Mythos Editora, o herói criado em 1961 por Guido Nolitta (pseudônimo de Bonelli) e Gallieno Ferri, famoso por sua camiseta vermelha com símbolos indígenas e por seu tacape, vem se candidatando a best-seller nas bancas e lojas especializadas por conta de um sofisticado arco de histórias capaz de reinventar o Oeste Selvagem - lapidando sua excelência na arte de Paolo Bisi. Seu indigenismo fica mais forte do que nunca na atual seleção de tramas publicadas atualmente por aqui, difundida na internet, em vendas online, pelo site https://www.lojamythos.com.br/, e presencialmente, em pontos de venda como a Mundo Mythos, na Rua Augusta n. 1371, em São Paulo. No Rio, o melhor caminho é a Banca do Bernardo, na altura do n. 100 da Av. Rio Branco, no Centro. A aventura atual é "Zumbis em Darkwood", referência à floresta fictícia da qual Zagor é guardião, apresentando-se como O Espírito da Machadinha e berrando seu grito de guerra ("AAHHYAAKK!").

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Personagem era visto como um Tarzan de roupa

"Por muito tempo, Zagor foi visto como uma espécie de Tarzan de roupa, mas ele se renova agora em trama mais complexas, que exploram gêneros e desenvolvem o universo do Oeste com direito a encontros com Tex, o que desperta o interesse de leitores fiéis do caubói", disse ao Correio Higor Lopes, livreiro que fez da Mundo Mythos um bunker de resistência nerd no coração de São Paulo.

"Tenho leitores de 70 a 80 anos que fidelizaram uma relação de colecionador com as HQs da Bonelli e leem Zagor há décadas".

Pataca de 400 páginas em P&B, "Zumbis em Darkwood" soma a força das ilustrações de Bisi ao texto leve (mas atento aos códigos do assombro) de Samuel Marollla. O enredo se passa no vale isolado de Red Hook, onde bandidos da quadrilha Lizard liberam por engano uma criatura que os índios veneram como uma divindade sombria, e que desencadeia uma epidemia. Trata-se de um morto-vivo que zumbifica suas vítimas. A missão de Zagor e de seu parceiro, Chico, é deter o contágio devastador desse ser das trevas, numa mistura entre terror e western.

Tal mescla é o chamariz do personagem, que chegou a ser editado no Brasil pela Record, no fim dos anos 1980 e início dos 1990, com direito a tramas em que ETs visitam Darkwood, no século XIX. Esse tom fantástico deu a Zagor um alcance mais amplo do que os demais gibis de faroeste, como é o caso de "Ken Parker", um épico sobre um aventureiro criado em 1974 num tributo dos gibis ao eremita Jeremiah Johnson, personagem vivido por Robert Redford no cult "Mais Forte Que a Vingança", de 1972. Suas HQs, que trazem um apelo ecológico envolvente, também estão sendo publicadas pela Mythos.

Com essa abordagem mais próxima da fantasia, Zagor conquistou gerações de leitores, com direito a ganhar um par de filmes baseado em seus quadrinhos na Turquia, onde é consumido como se fosse uma febre. "Zagor, o Destemido" ("Zagor Kara Bela"), dirigido por Nisan Hançer, em 1971, traz Levent Çakir no papel título e escala Nevzat Açikgöz como Chico.

Quem também ganhou filme, entre os vigilantes da Bonelli, foi o já citado Tex: "O Senhor do Abismo", de 1985, com Giuliano Gemma. Não há como se falar em western nos gibis da Itália (ou fumetti, como eles chama os gibis por lá) sem citar o pistoleiro nº 1 dos quadrinhos. Hoje no Brasil, também via Mythos, ele regressa ao formato dos álbuns de luxo com a graphic Novel "Águas Negras", de Pasquale Ruju e Giampiero Casertano. Que acerto da Mythos lançar esta aventura de tons marxistas. No árido sudoeste americano, os lavradores precisam conviver com a seca e a mão de ferro do cruel rancheiro Vicente Samargo e seus pistoleiros. Depois de um sangrento massacre, Tex e seu parceiro Kit Carson confrontam Samargo e descobrem que a única filha dele foi raptada por um bando de cruéis bandoleiros.

Outro título da Bonelli que vai parar no cinema é "Dampyr", de Mauro Boselli e Maurizio Colombo, filmado por Riccardo Chemello. Nessa produção, Draka, um caçador de vampiros dotado de poderes, é vivido por Wade Briggs. Suas principais parcerias no combate às trevas, Tesla e Kurjak, são interpretadas por Frida Gustavsson e Stuart Martin.

Na Europa, a Bonelli não se cansa de inovar e se reinventar, lançando novas revistas mensais e minisséries ainda inéditas por aqui. Em meio às reações contra Vladimir Putin que se espalham pela Europa em reação à violência da Rússia contra as populações ucranianas, a editora lançou, em junho, uma eletrizante série de HQs chamada "K-11", escrita por Matteo Casali, com desenhos de Davide Gianfelice. Seu enredo recria a União Soviética dos anos 1940, a partir da saga de um jovem soldado submetido a uma bateria de experiências científicas em meio à corrida atômica anterior à bomba de Hiroshima. É uma leitura contagiante.