Uma seleção de quadrinhos com traços de autor
Quadrinistas de grife mobilizam as atenções do mercado de gibis ampliando as vendas para as férias de julho
Raras vezes na história comercial dos quadrinhos do Brasil o mercado acolheu tantas grifes consagradas com o rótulo de "autorais" como se vê nas bancas, livrarias e gibiterias nos dias de hoje, o que pode indicar um atalho para o sucesso de vendas. Como é julho, mês de férias, com tempo ocioso de jovens leitoras e leitores, a busca pelo que ler se amplia. Apostar em medalhões é uma forma de atrair esse e outros públicos e valorizar as HQs como espaço de dramaturgia inventivo. Olha o que anda se destacando nas prateleiras, estantes, quiosques & afins:
A SALA DE AULA QUE DERRETEU, de Junji Ito: Encarado como o mais prolífico representante do terror nos mangás, as HQs japonesas, Junji Ito volta a assombrar o público brasileiro com a história de dois irmãos que, numa aliança com o Demônio, promovem a corrosão física das pessoas com quem se relacionam, derretendo peles e músculos. A edição feita pela Pipocas & Nanquim valoriza a maestria do quadrinista sobre o preto e branco.
SESSENTA PRIMAVERAS NO INVERNO, de Aimée de Jongh e Ingrid Chabbert: Cabem à editora Nemo todos os louros da inclusão e da excelência por trazer ao Brasil a HQ do ano. Encarada hoje como a quadrinista mais inquietante de nosso tempo, a autora holandesa responsável por cults como "Táxi!" une seu talento ao da roteirista francesa Ingrid Chabbert para falar de amor numa fase outonal da vida. No dia em que completa 60 anos, Josy, a protagonista desta joia, recusa-se a assoprar as velas do bolo de aniversário. Ela já está de malas prontas. Havia tomado uma decisão: iria deixar o marido e a casa para recuperar a sua liberdade, ganhando a estrada com a velha Kombi. No caminho, uma paixão inesperada, em todos os sentidos, vai mudar suas perspectivas acerca do futuro.
OPERAÇÃO HIGH WAYS, de John Byrne: Mais polêmico autor de HQs de super-heróis, na DC e na Marvel, nos anos 1980, o artesão canadense volta a escrever e desenhar com a galhardia de outrora ao mostrar uma expedição astronáutica na qual um desbravador do cosmo novato, recém-chegado a um cargueiro estelar, depara-se com uma conspiração capaz de ameaçar o controle da navegação intergaláctica. Ataques de construtos bioquímicos e uma injeção de LSD futurista são parte dos perigos que ele e sua tripulação correm, além dos hormônios à flor da pele de uma astronauta ninfomaníaca.
BATMAN, A CRIANÇA DOS SONHOS, de Kia Asamiya: Um dos mais célebres ilustradores do Japão topou redefinir graficamente o universo arquitetônico de Gotham City numa trama policial de tirar o fôlego na qual o Homem-Morcego tenta deter o avanço de uma droga que dá aos usuários a aparência de seus maiores inimigos, entre eles o Duas-Caras. Na luta para fazer essa substância sumir das ruas, ele vai combater seus desafetos reais, sem saber quando se trata de uma investida de "clones" deles ou de seus algozes mais odiosos. A adaptação do material produzido por Asamiya para o inglês (traduzido aqui por Rodrigo Guerrino) foi o escritor Max Allan Collins (de "Estrada para a Perdição").
CÃES, de Keum Suk Gendry-Kim: No empenho de popularizar entre os brasileiros a obra de uma das maiores quadrinistas sul-coreanas, autora de "A Espera" e "Jun", hoje traduzida em 12 países, uma das editoras mais ousadas do mercado de HQs traz essa ode dela à relação de humanos e pets. É um relato emocionante e honesto sobre como a convivência com cachorros, no amor incondicional que eles sentem por seus donos, modifica o coração de seres desumanizados, auxiliando-os de forma quase inadvertida a tornarem-se pessoas mais sensíveis.
ÁRDUO AMANHÃ, de Eleanor Davis: A autora dessa HQ da editora Tordesilhas ganhou o LA Times Booker Prize por um estudo precioso sobre o limite entre inércia e resiliência numa narrativa que celebra a união, na amizade e no amor. Sua protagonista, Hannah, uma cuidadora de idosas, que anda cheia de dúvidas em suas cabeças, é "a" personagem de quadrinhos do ano em nossas livrarias. Seu namorado é maconheiro profissional que vive da erva e sonha finalizar uma casa do campo, para plantar legumes e cânhamo. Já Hannah só quer ter um bebê. Mas a vida anda cruel com seu desejo. O traço de Eleanor é de uma elegância modiglianesca.
A NOITE DO CORVO, de Marco Galli: É uma experiência lisérgica acompanhar a transformação do traço de um dos mais respeitados desenhistas das HQs italianas cuja arte mudou depois que ele perdeu o controle de seus polegares, em decorrência de sequelas de uma doença. A aposta numa narrativa mais rústica é fundamental para ele narrar a saga de um pistoleiro psicótico que usa uma máscara de pássaro em seus assassinatos. A bela versão nacional do gibi, num álbum gráfico que valoriza o colorizado estilizado do autor, é da Faria e Silva Editora.