Tecnologia a serviço da arte

Uso de inteligência artificial faz com que artista deficiente visual volte a criar suas tirinhas

Por Mayariane Castro

Humberto Junqueira e sua criação: Eixinho, o Monumental, uma ave que vive na capital federal

Entre o final da década de 1980 e o início da década de 1990, um passarinho feito de nanquim em uma folha de papel habitou o imaginário das pessoas em Brasília.

Do alto de um ninho no alto do Congresso Nacional, Eixinho, o Monumental observava e fazia comentários bem humorados sobre o que acontecia. Foram quase três mil tiras criadas. A tirinha em quadrinhos tornou-se um sucesso. Chegou a ter admiradores renomados, como os cartunistas Ziraldo e Jaguar, que chegou a publicá-las nas páginas do jornal O Pasquim.

Mas o autor do Eixinho, o publicitário Humberto Junqueira, nasceu com uma condição genética, a retinose pigmentar, que o faz perder a visão. Sem condições de continuar desenhando, Humberto parou de fazer as tiras.

Até agora. Com o uso de novas tecnologias, Humberto vem desenvolvendo ferramentas que lhe permitiram, a partir dos antigos desenhos, criar novas histórias, que ele vem publicando em um perfil no Instagram (@eixinho_omonumental).

Ferramenta

"A ferramenta me permite pegar todas as expressões e movimentos do Eixinho. Ele alegre, ele triste, olhando para cima, para baixo. E elas podem ser podem ser usadas outra vez em novas histórias, em novo contexto", explica Humberto.

"Com isso, o Eixinho pode voltar a voar", comemora o publicitário.

A arte é reconhecida como uma ferramenta poderosa de inclusão, especialmente para pessoas com deficiência. O testemunho de Humberto Junqueira, que perdeu a visão por uma condição genética, evidencia como a arte pode desafiar percepções e fomentar a admiração.

Ele observa que muitas vezes, pessoas com limitações são vistas como incapazes. No entanto, quando um artista deficiente visual cria uma obra admirada, isso altera a percepção do público, demonstrando que ele pode realizar feitos criativos que muitos não imaginariam ser possíveis. Segundo ele, a arte não é apenas uma forma de expressão; é um elemento transformador na vida das pessoas.

"Então, quando um deficiente visual consegue expressar alguma coisa que é admirada pelos outros, uma escultura, um quadro, música, dança, naturalmente ele passa a ser incluído, porque ele passa a ser admirado por algo que as pessoas imaginam que ele não seria capaz de fazer. Então, a arte com a sua mágica tem esse poder. A arte não alimenta ninguém, a arte não cura doença nenhuma, mas ela alimenta a alma e cura a cabeça das pessoas. Ela tem um poder de transformar".

O artista acredita que suas criações podem inspirar outros a reconhecerem o potencial de pessoas com deficiência. "A arte tem o poder de mostrar que o deficiente visual é tão capaz quanto qualquer outra pessoa", afirma.

Futuro

Agora, as novas tecnologias possibilitam a Humberto o retorno às tiras de quadrinhos. E Humberto aposta muito que tal possibilidade seja a base do seu futuro.

O retorno do Eixinho, segundo Humberto, tem duas fases. Na primeira, a atual, o artista conseguiu digitalizar boa parte das suas tiras originais. E, assim, ter um arquivo das várias expressões e movimentos do seu personagem. Então, a partir disso, ele cria novos roteiros e um auxiliar monta a partir das suas orientações as novas tiras.

Ele conta, porém, que foi procurado por uma empresa de inteligência artificial. No futuro, ele mesmo, a partir de comandos de voz, poderá ir orientando a ferramenta de inteligência artificial a montar novas tiras. "É preciso desmistificar a ideia da inteligência artificial. Não é que ela fará por mim. Ela irá me auxiliar. Mas a criação continuará sempre sendo minha", explica.

É um caminho para possibilitar novos patamares de acessibilidade. Que servirão para ele e para outros.