Enquanto se regozija com a badalada estreia de "Napoleão" e com a expectativa de concorrer ao Oscar em alguma frente, via Joaquin Phoenix, o diretor Ridley Scott ignorou solenemente aquele que, para muitos, inclusive críticos de peso da Europa e dos EUA, é o seu melhor filme em pelo menos 20 anos: "O Último Duelo" ("The Last Duel").
Essa marca de duas décadas se remonta a "Gladiador" (2000), considerado a última expressão autoral de respeito de um cineasta que sempre busca fazer obras-primas, mas que acaba agradando mais os cofres dos exibidores do que o coração da crítica. E há, em sua longa e prolífica carreira, iniciada em 1971, dois longas-metragens seminais: "Alien, o 8º Passageiro" (1979) e "Blade Runner: O Caçador de Androides" (1982), que comemora 40 anos em 2022. Há quem diga que seu novo e enjeitado trabalho, ambientado num universo de cavaleiros medievais, pode se colocar ao lado dessas duas gemas com o passar dos anos, embora tenha sido um fiasco na venda de ingressos - daí a rejeição do realizador.
Mas a Star , hoje uma das plataformas que mais crescem na streaminguesfera, sob os auspícios da Disney, pode ajudar a consagrar o longa em outras latitudes.
Com uma bilheteria mundial estimada em cerca de US$ 30 milhões, "O Último Duelo" custou impagáveis US$ 100 milhões. Foi o trabalho mais ambicioso - em padrões éticos e estéticos - de Ridley na direção neste século, levando-o de volta a uma premissa (a vaidade nas castas guerreiras) que serviu como um combustível para seu "Os Duelistas" (1977), seu primeiro sucesso, laureado com a láurea de Melhor Filme de Estreante em Cannes.
Não lhe falta adrenalina, graças a uma sequência de batalha capaz de evocar o que o cinema clássico nos deu de mais sublime em seu olhar sobre o medievalismo, de "O Escudo Negro de Falworth" (1954), com Tony Curtis, a "Ivanhoé" (1952), com Robert Taylor, sem contar o esplendor pop de "O Feitiço de Áquila" (1985). Mas há um terreno mais profundo do que a arena onde o deselegante Sir Jean de Carrouges (Matt Damon) e o protótipo de dândi Jacques Le Gris (Adam Driver, numa atuação viperina) lutam pela honra de um ranço histórico de respeito. Essa tal profundidade é a potência da condição trágica (mas também demiúrgica) do feminino, que se traduz na figura de Marguerite, interpretada esplendidamente pela inglesa de Liverpool Jodie Comer, uma fina mistura de Glenn Close com Michelle Pfeiffer. É uma atriz de 28 anos que se lança para a consagração em uma interpretação implosiva.
Falar o termo "desonra" para Marguerite seria realçar o carma histórico do sexismo, assumindo o infortúnio dela - ser alvo de uma violência física sexual - do ponto de vista dos homens que a acossam. Ela não é a "desonrada". Ela é uma vítima da opressão que luta para ter direito a ser ouvida em uma narrativa enervante, pautada por uma investigação em três pontos de vista. E, com ela, Ridley, hoje com 85 anos, transborda maturidade, evitando estetizações e deixando uma mulher eviscerar seus demônios.
A fotografia de Dariusz Wolski (o mesmo de "Napoleão") se cobre numa mortalha - em uma dinâmica de iluminação bruxuleante - que foge do cogito convencional dos épicos medievais. Não é uma diversão calcada no que houve de perfeito no pretérito e, sim, uma triagem de todas as nossas imperfeições de base, em especiais as imperfeições morais. Acrescente na conta de esplendor desse exercício de sabedoria, baseado na prosa de Eric Jager, o mais fascinante trabalho de Ben Affleck desde "Hollywoodland", que lhe rendeu a Copa Volpi em Veneza, em 2006. Ele é o nobre que alimenta a disputa entre Jean e Le Gris, com a covardia dos tiranos em pele de cordeiro e vestes de riqueza.
No Star , há uma versão brasileira do filme dublada na TV Group Digital sob a direção da atriz Mariangela Cantú. Jodiie ganhou a voz da dubladora Mariana Torres. Silvio Giraldi dá voz a Damon e Sérgio Cantú, a Driver. Mas o espetáculo desse trabalho fica por conta de Jorge Lucas dublando Affleck e ressaltando sua perfídia. Vale conhecer o cardápio do Star na íntegra.