Por: Rodrigo Fonseca | Especial para o Correio da Manhã

Segunda chance para Michael Mann

Em 'Blackhat Hacker', Chris Hemsworth é um cibercriminoso que entra em ação para impedir uma conspiração | Foto: Divulgação

Trailers de "Ferrari", com o americano Adam Driver, a espanhola Penélope Cruz e o brasileiro Gabriel Leone, mobilizam as atenções dos cinéfilos de todo o Brasil para o novo filme da grife Michael Kenneth Mann, realizador de "O Informante" (1999), que anda mobilizando também as livrarias do país, graças ao lançamento (pela editora HarperCollins) de sua experiência no terreno da prosa. Redigida em duo com a escritora Meg Gardiner, ela se chama "Heat 2: A Novel", e saiu lá fora pela editora William Morrow & Company, de carona no culto em torno do filme "Fogo Contra Fogo" (1995). Foi um dos longas de maior prestígio do cineasta, que goza de um prestígio singular como midas da ação e da velocidade embora tenha naufragado feio nas bilheterias. Na straminguesfera brasileira, acaba de entrar em venda e aluguel, via Amazon Prime, o maior fracasso de Mann, que, segundo parte da crítica, é um de seus exercícios mais maduros na seara autoral da direção: "Hacker" ("Blackhat", 2015). Enquanto o drama biográfico sobre Enzo Ferrari (Driver) não estreia aqui, pois só vai ser lançado oficialmente no dia 8 de fevereiro, vale tentar entender onde Mann errou. Se é que errou, pois, no streaming, o thriller com Chris Hemsworth (o eterno Thor) se agiganta.

Embora avance a passos de tartaruga, com hiatos de até seis anos entre um longa-metragem e outro, a filmografia de Mann alcançou, de "O Último dos Moicanos" (1992) para cá, prestígio invejável entre os realizadores ligados ao cinema de ação. Talvez só Sam Peckinpah (1925-1984), entre os gigantes do moderno cinema americano, e John Woo, entre os mestres orientais, gozem de um reconhecimento tão grande num filão tão vilipendiado pela crítica e pela academia. Mas como raros são os cineastas capazes de enquadrar uma sequência de tiroteio ou de perseguição com a precisão aritmética de Mann, cada exercício novo dele à direção é saudado como um colírio para os olhos, enxaguando lugares comuns de filmagem, extraindo de seus astros atuações magistrais. Tem sido assim sobretudo depois do já citado "Fogo Contra Fogo", no qual ele foi o pioneiro em colocar Robert De Niro na mira de Al Pacino. Mas com "Hacker" ("Blackhat" no original), o reconhecimento foi menor, como atestaram os sofríveis números de bilheteria contabilizados pela produção de US$ 70 milhões mundo afora. Sua arrecadação mal chegou a US$ 20 milhões, o que faz dela um dos maiores fracassos de Hollywood desta década.

No momento em que "De Volta Ao Jogo" (2014), o primeiro "John Wick" emplacava no miocárdio de Hollywood (e do mundo), parecia estranho o desdém a um estilo de filmar tão frenético quanto a estética clipada, pós-MTV, que os filmes de ação assimilaram. Numa elegância talvez só equiparada à de Brian De Palma, Mann é um esteta do movimento. A ação para ele é um parque de diversão onde a velocidade pode ser reverenciada (documentada e fragmentada) por suas lentes em planos distendidos, onde cada gesto de pistoleiros com dedos no gatilho são rituais.

Apoiado num roteiro envolvente, "Hacker" assume como seu objeto de estudo a prática de hackear a privacidade (bancária e política) alheia a partir de softwares. Para muitos, pareceram sacais cenas em que o presidiário Nick Hathaway (Hemsworth) aparece frente a uma tela de computador, lutando para decifrar um código numérico ligado a um atentado terrorista na China. Sinal dos tempos: um vício de olhar banalizou tanto certas imagens que, hoje, quando apresentadas sob uma abordagem mais requintada, ela soa invisível. Mas por sob a invisibilidade de um certo esnobismo das plateias residem momentos de tensão descompassantes, nos quais Mann organiza um thriller com um timbre de suspense psicológico só alcançado no grande cinema americano dos anos 1970 (à la "Os três dias do Condor", de Sydney Pollack, ou "The Parallax View", de Alan J. Pakula) somado a trechos com cheiro de chumbo pela brutalidade de tiroteios.

Seu enredo se concentra nas horas em que Hathaway é liberado da prisão para ajudar o FBI a desvendar o culpado por uma prática de terror na Ásia. Tudo acontece porque o terrorista, cuja identidade precisa ser desmascarada, usa um sistema de hackeamento similar a um criado, no passado, por Hathaway, o que ocasionou sua prisão. Numa atuação irretocável de Hemsworth, Hathaway é um anti-herói relutante, sem meta aparente que não esticar seu prazo em liberdade. Mas, pouco a pouco, suas ambições ganham outro rumo - um rumo mais altruísta - conforme ele vai se dando conta do perigo real e imediato de que a Humanidade (assim com "H", em peso) corre com o maníaco da internet à solta, explodindo bombas aqui e acolá. É neste momento que o espectador se dá conta de estar vendo não um amontoado de tiros e fugas e sim um tratado sobre a paranoia institucionalizada via web.

 

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