Por: Pedro Sobreiro

Diversidade na dublagem, a marca registrada da versão brasileira de 'Iwájú'

"Iwájú" é a nova animação da Disney em parceria com o Kugali, estúdio africano | Foto: Disney

O mês de abril marca uma estreia muito especial no catálogo do Disney . Em parceria com o estúdio panafricano Kugali, a Disney lançou sua primeira série animada nigeriana. Em 'Iwájú', o público vai acompanhar a história de uma garotinha que vive em uma cidade de Lagos futurista, na Nigéria. Ela ganha de presente do pai, um cientista, um lagartinho robótico capaz de fazer coisas incríveis. Porém, isso desperta a atenção de criminosos, que estão doidos para pôr as mãos no animal.

A convite da Disney, o Correio da Manhã conversou com Tarsila Amorim, a diretora de dublagem da série, para entender melhor como foi trabalhar em uma adaptação dessa série carregada de valor cultural.

Tarsila, que já trabalha com a Disney há muitos anos, seja como dubladora ou como diretora de dublagem, definiu 'Iwájú' como seu maior projeto.

"É o meu trabalho de mais impacto, é o trabalho de maior importância que foi confiado a mim. É uma honra, porque é uma obra com tanto valor e representatividade cultural e racial. Dar voz brasileira com o cuidado e o respeito que ela merece é um desafio e uma alegria", explicou.

Na entrevista, ela fala mais também sobre a diversidade e esse processo de trabalhar com a Disney.

A série tem personagens com sotaques carregados. Como foi adaptá-los para o português?

TARSILA AMORIM - "O sotaque é uma coisa que a gente lida com todos os produtos de dublagem. Seja em produções da Inglaterra, da Austrália, de diferentes regiões dos Estados Unidos... Todos têm um sotaque diferente, mas isso não é abordado, porque o sotaque, nessa questão não é relevante. Em 'Iwájú', o grande desafio é que temos personagens falando dialetos diferentes. Então, tem um inglês formal, usado pelo pessoal rico da ilha, e tem o 'pidgin', que é um inglês simplificado com uma mistura de palavras em Iorubá e outras palavras de línguas locais da Nigéria, que tem, se não me engano, dois ou três idiomas oficiais. O desafio foi notar esses dois linguajares e tratar isso como um português formal e outro português mais cheio de gírias, que representassem um povo que não teve acesso a uma educação mais erudita. É uma questão que não tem a ver com sotaques, a gente não poderia ignorar essa questão de que havia dois idiomas diferentes interagindo".

Hoje se fala muito na inclusão das 'vozes pretas' na dublagem. A Disney pediu algo assim para a série?

"Eles fizeram, sim, um pedido para tentarmos ser inclusivos. E em um país como o nosso, com tantos atores talentosos e mais de 50% da população negra, não tinha por que a gente não fazer um elenco 100% negro. Cada ponta, cada vozerio e cada personagem, do que tem mais destaque ao mais simples, foi interpretado por um ator negro ou autodeclarado pardo. É importante que a inclusão seja feita em qualquer série, mas se em 'Iwájú' a gente não tiver um elenco 100% negro, vai ter onde?".

E como foi trabalhar com esse elenco?

"A gente teve tempo para trabalhar, o que nos deu a chance de abrir portas para atores iniciantes na dublagem. Por isso, artistas com menos experiência tiveram tempo para entregar um trabalho nota 10, porque um ator talentoso pode não estar muito familiarizado a velocidade do ritmo da dublagem, mas se você dá um terceiro, um quarto 'take', ele entrega coisas brilhantes. A gente teve o privilégio de ter tempo para gravar essa série. E nós contamos com uma tradução adequada, porque um texto bom ajuda qualquer dublador, seja ele experiente ou não, e tivemos também o tempo no estúdio. A gente acabou trabalhando com atores que têm mais experiência em teatro que na dublagem. Em teatro, a gente tem tempo de mastigar o texto, criar o personagem, levar o texto para casa... É um processo de muita imersão. Na dublagem, a gente não costuma ter esse tempo todo. A gente assiste a cena, repete o 'loop' se precisar marcar uma pausa ou uma reação e grava na terceira. Esse é o padrão de trabalhar com dublagem. Mas uma pessoa que não esteja familiarizada precisa de tempo. E a gente teve esse tempo. Foi um grande processo de aprendizado para todos. O elenco não tinha apenas atores com menos experiência, mas foi uma porta de entrada para pessoas ainda não tão estabilizadas no mercado da dublagem pudessem ter um trabalho nesse porte no currículo".

E como foi a participação da Disney na dublagem?

"Existiu uma orientação da Disney Global, que fez uma conferência com diretores de dublagem do mundo inteiro. Todos nós assistimos um 'briefing' que falava sobre essa diferença no linguajar das pessoas e incentivar a conversa com o time da tradução para que não virasse algo caricato ou pejorativo, que pudesse diminuir alguém. A gente chegou a um acordo e conversou com o pessoal criativo da Disney para garantir que estivesse certinho como vocês vão poder conferir no Disney . Contei com a ajuda de várias pessoas da tradução. Eu encabeço a direção, mas não foi um trabalho que fiz sozinha. Foi um trabalho coletivo muito grande para entender essa adaptação para o português".