Por: Rodrigo Fonseca | Especial para o Correio da Manhã

'OldBoy' na caixa de Pandora

Filme que abriu as portas para o boom do cinema sul-coreano, 'OldBoy', do diretor Park Chan-wook, exibe nas plataformas de streaming a força das narrativas cinematográficas que vêm do oriente | Foto: Divulgação

Enquanto o mundo saliva pela segunda temporada de "Round 6" e anseia pela finalização de "Mickey 17" (novo longa-metragem de Bong Joon Ho), o pilar da consagração da Coreia do Sul nas telas, lançado 15 anos antes de "Parasita" tomar o mundo de assalto, agora firma sua fama na streaminguesfera: "OldBoy".

Basta acessar a plataforma MUBI para conferir as aparas digitais que recauchutaram o ganhador do Grande Prêmio do Júri no Festival de Cannes de 2004. Refilmada por Spike Lee em 2013, a produção de US$ 3 milhões teve uma bilheteria estimada em US$ 16,9 milhões.

Seu êxito comercial despertou o interesse da cinefilia internacional pela estética neonoir dos cineastas sul-coreanos, expressa em thrillers ultraviolentos, de uma narrativa cinemática (calcada em inusitadas formas de usar o movimento), que inspirou cults nos EUA e na Europa (sobretudo a franquia "John Wick") e deu à indústria audiovisual da Ásia mais holofotes. Mesmo realizadores conectados a dramas existencialistas, como Lee Chang-Dong (diretor "Poesia" e "Buning") e Kim Ki-Duk (ganhador do Leão de Ouro por "Pieta"), jamais teriam a visibilidade que alcançaram no Ocidente não fosse o êxito de seu conterrâneo, Park Chan-Wook. Foi ele quem transformou em objeto de cult (em âmbito) mundial a revanche de um homem que ficou detido por 15 anos, sem saber o motivo. Revanche essa que foi decalcada de uma história em quadrinhos japonesa, o mangá "Old Boy", escrito por Garon Tsuchiya e desenhado por Nobuaki Minegishi, hoje à venda na Amazon, em box de quatro volumes.

"Tenho uma relação muito forte com a palavra, pela literatura e, talvez, ela seja a responsável pelos trilhos narrativos que eu tento oferecer ao cinema: a trilha da imaginação, que se liberta nos livros, mas pode também nos libertar pela imagem", disse Chan-Wook ao Correio da Manhã em Cannes, ao receber do mais prestigiado festival do planeta a láurea de Melhor Direção por "Decisão de Partir" (hoje na Amazon Prime).

Em "OldBoy", o executivo Dae-Su (Choi Min-sik, em estonteante atuação) é raptado e mantido em cativeiro por 15 anos num quarto de hotel, sem qualquer contato com o mundo externo, sem entender o motivo de seu confinamento. Quando ele é inexplicavelmente solto, descobre que é acusado pelo assassinato da esposa e embarca numa missão obsessiva para dar o troco em seus captores. Usa um martelo como arma em sua cruzada vingadora, mas acaba levando uma jovem, Mi-Do (Kang Hye-jung), no bojo. Nas filmagens. Min-sik dispensou dublês, pois fez um treino para encarar as sequências de luta.

"Temos profunda dificuldade em sermos honestos com nossas emoções. É daí que nascem as histórias que eu proponho, tentando quebrar arquétipos de força", disse Chan-Wook, durante o Festival de Cannes de 2022.

Neste momento ele brilha na grade da MAX com uma minissérie em que trabalhou com Fernando Meirelles na direção: "O Simpatizante" ("The Sympathizer"), que tem Robert Downey Jr. no elenco. A trama é baseada num best-seller de Viet Thanh Nguyen, em série.

Tudo o que Chan-Wook fez na primeira década deste século teve aplausos, prêmios e fã-clube: "Lady Vingança" brilhou no Festival de Veneza, em 2005, e saiu de lá com a láurea CinemAvvenire; "Eu Sou um Cyborg, e Daí?" ganhou o Prêmio de Inovação de Linguagem na Berlinale, em 2006; e "Pesca Noturna" rendeu a ele o Urso de Ouro de curtas em Berlim, em 2011. Mas aí ele foi rodar "Segredos de Sangue" (2013), no Tennessee, com Nicole Kidman, e deu com os burros n'água. Voltou pra casa, para filmar "A Criada", há oito anos, e, depois, foi emplacar uma versão televisiva de "A Garota do Tambor" na BBC, que pode ser vista por aqui na Amazon Prime".