'Mandy' sai da jaula

Em meio a uma fase de consagração de Nicolas Cage, com 'Longlegs', um dos filmes mais aclamados do ator nos últimos 20 anos é redescoberto pelo streaming e vira cult

Por Rodrigo Fonseca | Especial para o Correio da Manhã

Um selvagem Nicolas Cage espalha sangue pelas telas em 'Mandy', disponível na grade da Amazon Prime

 

Enredado numa fase grotesca de escolhas profissionais infelizes desde 2010, Nicolas Cage hoje experimenta o gostinho do sucesso com a consagração do thriller "Longlegs - Vínculo Mortal", que se transformou no maior êxito recente de sua carreira, com quase US$ 100 milhões em sua arrecadação. Com estreia marcada no Brasil para o dia 29, o filme traz o astro de 60 anos no papel de um serial killer assombroso, caçado pela agente do FBI Lee Harker (vivida por Maika Monroe).

O regresso ao holofotes do circuitão americano fez com que um cult recente da carreira do ator, considerado por parte da crítica seu melhor trabalho nos anos 2010, fosse redescoberto pelas plataformas de streaming: "Mandy - Sede de Vingança" (2018). É possível vê-lo hoje na Amazon Prime, por aluguel ou compra.

Afogado em dívidas por conta de um acordo de separação que lhe custou milhões de dólares, Cage vinha no piloto automático há anos, somando um filme ruim atrás do outro, até "Mandy" aparecer. Embora seja B (de bruto) até o osso, com litros de sangue a espirrar pelas telas, o thriller sobrenatural de Panos Cosmatos foi ovacionado por público e crítica no 71. Festival de Cannes, onde foi exibido na mostra Quinzena de Cineastas. Sua sanguinolência é gourmetizada por uma fotografia de alto requinte, capaz de valorizar as cores berrantes de sua linguagem de videoclipe até gerar uma experiência sensorial rara. Cage, que vinha em estado de letárgia, dá uma performance em estado de graça, doida, selvagem como fazia nos tempos de "A Outra Face" (1997), num tempo em que reinava sob Hollywood.

"Existem sofrimentos em todo personagem e é isso o que me atrai na arte de atuar: dar voz a essas cicatrizes", disse Cage, lá atrás, em 1996, quando ganhou o Oscar por "Despedida em Las Vegas". Ele retomou o discurso com "Mandy", que ganha uma sobrevida mundo afora depois da boa aceitação de "Longlegs - Vínculo Mortal". Todos querem Cage em papéis enraivecidos.

À época da passagem de "Mandy" por Cannes, ele não foi à Quinzena, mas fez um discurso existencialista similar nas sessões desse filmaço no Festival de Sundance, nos EUA. No longa de Cosmatos, ele é um serralheiro cuja companheira é morta por uma seita hippie que cultua o Mal. Há integrantes dessa igreja com feições de monstro, mas ao escapar deles, Cage vai partir para uma vingança usando um machado de prata e uma serra elétrica sedenta pelos coágulos alheios. Falando assim... parece um filme trash... e é... mas um trash de autor, com um requinte plástico que muitos longas-metragens europeus ou asiáticos de Cannes não têm.

"Eu passei toda a adolescência jogando RPG, lendo HQs, vendo filmes B e ouvindo heavy metal. Isso acabou saindo em 'Mandy', brotando de dentro de mim", disse Cosmatos ao público da Quinzena de Cannes, que aplaudiu seu longa umas seis vezes durante a projeção. "Há algo de muito pessoal nesse filme: pois escoa por ele a dor da morte do meu pai. Comecei a escrever o roteiro em 2006, um ano depois que ele morreu".

Morto em 2005, o pai de Panos é ninguém menos do que George Pan Cosmatos, diretor de iguarias do cinema de ação como "Stallone Cobra" (1986), recentemente exibido (e debatido) na Cinemateca Francesa, em Paris. O desenho do personagem de Cage é similar aos dos heróis politicamente incorretos daquele tempo. "Toda loucura que vocês vão ver é parte de uma história sobre a construção de uma deusa. É o que a mulher morta representa para o nosso protagonista. Na morte do meu pai, a ausência de minha mãe, que morreu dez anos antes dele, em 1995, ficou ainda mais forte", disse Panos que faz de Cage uma espécie de Mad Max tragicômico.

Com a recente badalação em torno de 'Mandy', Panos arrumou financiamento para um novo projeto, chamado "Flesh Of The Gods", um terror com Kristen Stewart e Oscar Isaac. Os dois interpretam um casal que se envolve com um grupo hedonista. Quem sabe Cage não faça uma participação. Ele pode ser um dos tipos exóticos que enlouquece Kristen e Oscar.

Paralelamente à carreira de Panos, Cage faz sucesso em festivais do mundo com o thriller "O Surfista", que mostra um pai de família às voltas com uma gangue de brucutus na Austrália.