'Bromance' à espanhola

No meio termo entre amizade e paixão, 'Meu Amigo Robô' engata carreira de sucesso no streaming

Por Rodrigo Fonseca | Especial para o Correio da Manhã

'Meu Amigo Robô', de basco Pablo Berger, conquistou Cannes e concorreu ao Oscar

Faminta por prêmios em sua passagem pelo Festival de Veneza com "The Room Next Door" (o novo Almodóvar), a indústria audiovisual espanhola tem aberto muitas frentes, inclusive na animação, com franquias de prestígio como "As Aventuras de Tadeo". Há muitos títulos ibéricos recentes animando as salas de exibição do mundo, mas o mais prestigioso de todos os desenhos espanhóis agora ensaia carreira no streaming: "Meu Amigo Robô" ("Robot Dreams"). Lançado em projeção especial no Festival de Cannes, esse estudo sobre companheirismo do basco Pablo Berger concorreu ao Oscar, em março, e, amparado na boa acolhida que teve na Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood, inicia bem-sucedida trajetória pelas plataformas digitais. No Brasil, o filme vai entrar na grade da MUBI, no dia 13.

Há um toque de love story em seu roteiro. Embora pareça apenas amizade (das boas), o rala e rola de afetos entre um cãozinho queer e um androide fã de sorvete, retratado no longa de Berger, beira uma paixão... daquelas serenas que duram, duram, duram... O que a produção narra é um bromance, o benquerer de pessoas amigas.

Sua argamassa é um quadrinho. Com cerca de 100 mil cópias vendidas, a HQ "Robot Dreams", de Sara Varon, tornou-se um best-seller tão grande para um gibi gestado fora do ventre da Marvel ou da DC que o cinema não poderia ignorá-lo. Quem acabou por comprar o projeto foi um cineasta independente. Berger adaptou a trama para públicos abertos ao chamado family film (formato capaz de agradar crianças e marmanjos), mas, afeitos a narrativas mais ousadas moralmente. Ousadia que abriu as portas de Cannes para Berger e sua sua releitura com sabor de nostalgia e referências a um sucesso de outrora, "Kramer vs. Kramer".

"Amo esse filme, a estética de seu diretor (Robert Benton), seu ator (Dustin Hoffman). Meu protagonista, um cachorro com jeito de gente, é o Hoffman. Mas não usamos diálogos. Existe até uma cena em que aparece um outro animal levando o filho pequeno para aprender a andar de bicicleta. É uma homenagem direta aos Kramers. Tem homenagem ao De Niro de 'Taxi Driver' também. A nossa vida de cinéfilo é cheia de referências a Nova York", disse Berger ao Correio da Manhã em Cannes.

Berger aposta numa estrutura simples: não usa efeitos de computação gráfica em 3D, visual poligonal ou diálogos educativos. Aliás, nem diálogo seu filme tem. Não precisa. Os olhares de seu protagonista canino dizem tudo. "Uma imagem pode ser mais forte do que mil palavras, desde que calçada por um som adequado. Pelo menos é isso o que faz do cinema uma arte com gramática própria", disse o diretor. "Eu sou um cara da velha guarda, que cresceu vendo desenhos animados sobre amigos, e queria que cada frame desse novo projeto emulasse uma metáfora da solidão e da importância de uma amizade, sobretudo depois do isolamento que a covid-19 nos impôs. Falta toque, falta olho no olho".

"Meu Amigo Robô" se ambienta nas estações do ano em que o cão de vida vazia quebra sua inércia emocional ao comprar um ser sintético (dotado de IA) para ser seu companheiro de dia a dia. "Tem uma coisa de 'O Mágico de Oz' no filme, com o Homem de Lata que sonha em ter um coração. Meus sonhos, em geral, são coloridos. Queria isso num filme sobre sonhos", diz.