Por Rodrigo Fonseca
Especial para o Correio da Manhã
Cerca de sete meses depois de sua carreira em circuito, "Guerra Civil" ("Civil War"), uma das mais rentáveis expressões do cinema independente americano em 2024, responsável por ampliar o prestígio do ator baiano Wagner Moura no exterior, busca espaço, via streaming, para brigar pelos prêmios da Oscar Season - a temporada de premiações que antecede a entrega da estatueta dourada de Hollywood e a produção dirigida pelo escritor Alex Garland pode entrar de sola nela e papar troféus. O Globo de Ouro está em seu radar.
Sua bilheteria global de US$ 126 milhões impressionou exibidores, visto que seu tema rascante (um conflito político nos EUA), aliado a uma narrativa sem concessões a formulas mercadológicas, não costuma (mais) levar multidões às salas. Só no Brasil o longa teve 952.253 ingressos vendidos. Hoje, quem for assinante da Max (ex-HBO), assiste (ou revê) o filme online.
Pingando sangue ao retratar uma América fraturada, "Guerra Civil" oferece ao intérprete do Capitão Nascimento um de seus papéis principais: o ambicioso jornalista Joel. O repórter cruza os EUA tentando entrevistar o presidente num amanhã distópico.
Desencanado da obrigação de contextualizar a plateia acerca do episódio sintetizado no título, o thriller assume que há um racha nos Estados Unidos, mas não explica hora alguma o que levou aquele país ao colapso. Não se sabe quem guerreia contra quem e o presidente, um esboço de Trump vivido por Nick Offerman, também não elucida dúvidas, preferindo bradar ódio, anunciando uma retaliação que não chega. Tem pessoas armadas em lados opostos das ruas, em barricadas. O motivo é um enigma, mas há uma secessão. É uma distopia e não sobra espaço para um fiapo sequer de fantasia.
Cada sequência carrega um realismo áspero, algo comum nos filmes de Garland, um diretor autor que fez fama na literatura ao lançar "A Praia", filmado em 2000 por Leonardo DiCaprio. "Men" (2022) e "Ex-Machina" (2015) são tratados de sua descrença (aparente) na capacidade humana de superar delitos e vaidades. Não por acaso, o time de protagonistas, uma esquadra de jornalistas, passa a léguas do heroísmo, apesar de rasgos de coragem na luta pela sobrevivência.
São repórteres de diferentes graus de experiência, sendo a fotojornalista Lee (Kristen Dunst) a que mais tem vivência in loco em zonas de conflito. É uma figura amarga, que não cuida de sua aparência e de sua saúde, devotada à ideia de registrar a brutalidade dos combates que ceifam vidas. Seu esteio é sábio produtor de reportagem, Sammy, vivido por um inspirado Stephen McKinley Henderson, responsável pela sequência mais catártica do longa. Há uma fotógrafa ainda iniciante, Jesse (Cailee Spaeny). Por fim, há ainda o abutre, aquele profissional obcecado pela notícia a qualquer custo, que se jubila ao ver brutalidades, por saber que ali há um furo: Joel, figura controversa que Wagner é capaz de humanizar. É um dos trabalhos de maior pujança do ator baiano, fora e dentro do Brasil.
Esse quatro flanam por uma pátria em chamas buscando registros para o hoje e o amanhã, sem amarras de marketing e sem vetores comerciais que os controlem. A causa deles: ter um fato que figure nas manchetes, ainda que impresso a segue. A montagem do filme eletriza do começo ao fim, sobretudo na breve, mas perturbadora sequência com Jesse Plemons (o companheiro de Kristen na vida real) de bolsominion, com óculos berrantes.
Além de "Guerra Civil", Wagner hoje ocupa a streaminguesfera em múltiplas latitudes, a começar por sua incursão no posto de cineasta: "Marighella". Lançado na Berlinale, em 2019, o filme estreou em 2021, depois de passar por mil pressões no governo Bolsonaro, e virou um sucesso de público e crítica em meio à pandemia. É possível vê-lo no Globoplay, onde mais sucessos de Wagner estão disponíveis, como "Tropa de Elite" (Urso de Ouro de 2008) e o hilário "Saneamento Básico" (2007), de Jorge Furtado. Ainda no streaming da Globo está "Praia do Futuro" (2014), que concorreu ao Urso de Ouro do Festival de Berlim há dez anos. Sob a direção de Karim Aïnouz, Wagner encarna um salva-vidas do Ceará que larga tudo e parte para Berlim para viver um grande amor.
É possível conferir esse drama de Karim ainda na Amazon Prime, que traz outro marco da filmografia do astro: "O Caminho das Nuvens", dirigido por Vicente Amorim há 21 anos. É a saga de uma família que sai do Nordeste e vem para o Rio de bicicleta. Naquele mesmo ano, 2003, Wagner brilhou em "Deus É Brasileiro", de Cacá Diegues no qual ele vive o malandro Taoca, que vira guia do Todo-Poderoso (Antonio Fagundes) em sua passagem pela Terra.
Globoplay e Netflix trazem Wagner no elenco central de "Cidade Baixa", que conquistou o troféu Redentor de Melhor Filme na Première Brasil do Festival do Rio em 2005. Na ocasião, Alice Braga ganhou o troféu de Melhor Atriz, estrelando um triângulo amoroso no submundo da Bahia, onde ela vive uma garota de programa disputada por dois amigos. A produção conquistou ainda o Prêmio da Juventude em Cannes.
Ainda na Netflix, mata-se ainda a saudade de Wagner em "Carandiru" (2003), fenômeno de público de Hector Babenco (1946-2016), indicado à Palma de Ouro. Lá também é possível ver Moura em "A Busca", prêmio de júri popular no Festival do Rio de 2012; "Wasp Network: Rede de Espiões" (2019), de Olivier Assayas; e "Sergio" (2020), de Greg Barker.