'Juventude' que não envelhece na grade da Prime Video
Prestes a completar dez anos, o tratado sobre amadurecimento de Paolo Sorrentino recicla sua relevância no streaming da Amazon
De estoque renovado à força de "Tár" (com Cate Blanchett), "Cidade de Asfalto" (com Sean Penn) e "O Rejeitados" (de Paul Giamatti), a Prime Video entra pesado na briga por audiência na geografia dos streamings ampliando seu leque de produções recentes, algumas inéditas em telona (como "Danificado", com Samuel L. Jackson), ao mesmo tempo em que revive clássicos ou cults. Prestes a completar 10 anos, "Juventude" ("Youth"), do italiano Paolo Sorrentino, é um caso desses. Um caso que justifica o aluguel mensal da plataforma da Amazon. Devotado hoje às filmagens de "La Grazia", com Toni Servillo, o cineasta havia conquistado o Oscar por "A Grande Beleza" (2013) quando saiu em campo para rodar o estado sobre a arte de envelhecer (bem) que lhe rendeu uma indicação à Palma de Ouro, em 2015. A produção, orçada em 12,3 milhões de euros, teve um faturamento de cerca de US$ 24 milhões nas bilheterias. Michael Caine e Harvey Keitel são seus protagonistas.
"Estive em Cannes nos anos 1960 à frente de Alfie, em 'Como Conquistar as Mulheres', de Lewis Gilbert, e vi o filme ser premiado, mas eu, nada levei. Vai ver eles foram azedos comigo ou não curtem muito o meu estilo. Hoje eu já tenho muitas primaveras e ainda encaro o mundo de frente, com prazer de trabalhar", disse Caine ao Correio da Manhã, à época de sua projeção na Croisette.
De uma doçura felliniana ao contextualizar as vicissitudes da dita "melhor idade" sob a ótica do companheirismo, "Juventude" é um espetáculo de leveza, que arranca da tela grande, a partir da fotografia de Luca Bigazzi, toda a potencialidade física (e até metafísica) oferecida por aquele retângulo no qual sonhos se traduzem em imagens. O cansaço orgânico e mesmo afetivo dos personagens se desenha nos planos de Sorrentino (festejado desde o seminal "Il Divo") numa medida oposta, ou seja: com vigor jovial. Se seu monumental "A Grande Beleza" era o cinema da descrença e da ressaca, aqui, Sorrentino nos entrega o cinema do encanto e da conciliação, mostrando que Caine pode ultrapassar as fronteiras do sublime quando está disposto a atuar com o melhor de si. Na versão brasileira disponível na Amazon, ele foi dublado por Carlos Campanille. Já Keitel ganhou a dublagem de Julio Chaves.
"O trabalho com Bigazzi na construção do visual é simples, pois, depois de anos afio em parceria, a gente apenas se olha e entende o que se passa em nossas cabeças", disse Paolo Sorrentino ao Correio, em 2021, quando exibiu "A Mão de Deus", no Festival de San Sebastián, onde concedeu uma masterclass sobre sua obra.
Discussão sobre anemias emocionais e ideológicas, "Juventude" põe Caine na pele do maestro Fred Ballinger e Harvey Keitel no papel do cineasta Mick Boyle. Fred não quer mais reger mais concerto algum. Mick, pelo contrário, ensaia a preparação de um filme sobre rugas emotivas. Os dois estão na casa dos 80 anos, curtindo as memórias e os impasses da idade em um hotel nos Alpes Suíços, enquadrado pela câmera de Sorrentino como uma espécie de paraíso. Ali, os dois terão a chance de rever o que sobrou: de tempo, de tesão, de fome de viver, de disposição para sonhar. Indicada ao Globo de Ouro pelo filme, Jane Fonda entra e sai e rapidinho de cena, no papel de Brenda Morel, uma estrela decadente que tem ataques de afetação.
Brenda quer abandonar o cinema para fazer TV, alegando que um papel na televisão pode lhe "custear uma casa em Miami".
Neste momento no qual o cinema (aquele com "C" maiúsculo) briga pela defesa da excelência da imagem em tela grande, a discussão trazida por "Juventude" sintetiza um brado sobre o esplendor que só a dimensão agigantada do cinema consegue refletir. De quebra, num flerte com a tradição italiana de diretores como Luchino Visconti e Valerio Zurlini, Sorrentino retrata a figura feminina como um signo de todas as revoluções e todas as essencialidades. É um filme que aquece o peito. Concorreu ao Oscar de Melhor Canção Original, em 2016, com "Simple Song #3", composta por David Lang, que gruda nos tímpanos.