Alvaro Campos: 'No streaming produzimos para a comunidade internacional, sempre'
Quem tem "Senna" em seu currículo de autor merece holofotes em qualquer sala de roteiristas e merece a atenção de qualquer plataforma que busque talentos nacionais para escrever seus projetos. Alvaro Campos tem. Aliás, fez parte ainda do time criativo da série "Anderson Spider Silva", da Paramount , que concorreu ao Emmy Internacional. Foi tudo este ano, em que ele ainda arrebatou elogios no teatro, pela dramaturgia da peça "A Barca". Foram projetos que o aproximaram de bambas como Eliane Alves Cruz, Julia Rezende, Luiz Antônio Pilar, Marton Olympio e Vicente Amorim.
Não bastasse essas conquistas todas, ele ainda conseguiu emplacar, em circuito, um dos filmes mais devastadores do ano: "Mundo Novo". Ele dirigiu essa joia em plena pandemia, em sinergia com o grupo Nós do Morro, e a produção fez bonito em sua passagem pelo Festival do Rio de 2021. Levou um tempão para ser lançada, mas teve sua vez. Apesar de ter passado quietinho, quietinho pelo circuito exibidor, em junho, por conta das dificuldades de distribuição e de visibilidade da produção independente (e sem grana) no país, o longa-metragem fez barulho noutra latitude, a TV, ao passar no Canal Brasil semana passada. Agora, ele busca mais olhares no Globoplay.
Mirada em P&B sobre as desigualdades cariocas, "Mundo Novo" deve (e possivelmente vai) estar nas listas dos melhores filmes lançados em 2024 que a crítica brasileira há de alinhavar nas próximas semanas, pré-Réveillon. Na enquete a ser feita pelo CORREIO DA MANHA, ele já tem pouso certo. Classificado ao fim de sua projeção no Festival do Rio como "mistura de Éric Rohmer com Milton Santos", esse drama bem-humorado (ou comédia mal-humorada) com CEP no Vidigal foi rodada com um orçamento equivalente ao preço de um carro, mas, na arte, custo não é documento. Saiu da Première Brasil com o troféu Redentor de melhor atriz, que coroou a estupenda atuação de Tati Villela, e com o de melhor roteiro, confiado a seu elenco e a Alvaro. Na trama, a advogada Conceição (Tati, um achado) e o grafiteiro Presto (Nino Batista) vão até a casa de Charles (Kadu Garcia) para pedir sua assinatura como fiador na compra de um apartamento no Leblon que ancora o sonho de futuro do casal, mas o pedido se mostra bem mais complexo do que conseguir uma simples assinatura.
Codiretor de "Altas Expectativas" (com Pedro Antônio Paes) e realizador do nevrálgico .doc "Tá Rindo De Quê? - Humor e Ditadura", Alvaro realizou uma autopsia em corpo vivo desta cidade em "Mundo Novo", que, no Globoplay, há de encontrar novas trocas simbólicas. Na entrevista a seguir, o cineasta dá seu olhar sobre as redes formadas pelos streamings.
De que maneira as plataformas de streaming, entre elas o Globoplay, podem redimensionar títulos como "Mundo Novo", que tiveram passagem breve por circuito?
Alvaro Campos: Acho que além de dar oportunidade para um novo público ver quando quiser, também cria a bem-vinda oportunidade de comparar o filme com seus pares, ajudando a compor esse grande retrato do cinema produzido no agora. Além disso, por questões de custo, o filme no streaming, em relação ao cinema, passa a ser mais acessível para quem pode gastar menos com cultura. É um filme do Vidigal, pelo Vidigal, que merece estar disponível da forma mais acessível possível.
O que as incursões em seriados biográficos como "Senna" e "Anderson Spider Silva" te ensinaram sobre a gramática das plataformas digitais?
O streaming disponibiliza a todos nós produtos daqui e de fora numa mesmíssima prateleira, como se tudo fosse uma oferta só, independente das desigualdades nas possibilidades de realização. Tendo as produções brasileiras características muito determinantes tanto em estilo quanto em valor de produção, essa realidade nos impõe uma sensibilidade muito fina para o acabamento das histórias e para a inteireza da verdade das personagens. Só isso pode garantir uma conexão emocional universal, já que no streaming produzimos para a comunidade internacional, sempre. Vejo que foi assim que "Spider" conseguiu sua nomeação ao Emmy e "Senna" tornou-se, orgulhosamente, uma das séries mais assistidas no mundo hoje.
Você gravitou pelo teatro este ano com a "A Barca". Que horizontes os palcos te ampliaram?
Eles comprovaram que tudo o que fazemos, no texto e na direção, é uma oferta para os talentos protagonistas dessa arte: os atores. Quero - e preciso - incluí-los cada vez mais em todos os meus processos.
O que vem a caminho das telas, do cinema ou a da streaminguesfera, no seu futuro?
No primeiro semestre do ano que vem, temos "Jogo Cruzado", na Disney , com atuação arrebatadora de José Loreto como um jogador de futebol. No cinema, queremos filmar "Lídia", um conto fantástico sobre maternidade e espírito comunitário numa pequena vila pesqueira na Ilha de Marajó.