A maior diversão nas menores telas
Cults com astros badalados ou com cineastas de prestígio ficam sem espaço no circuito e encontram lar nas plataformas digitais, incluindo 'Dahomey', o Urso de Ouro de 2024
Ganhador de dois Oscars de melhor direção e titular de bilheterias astronômicas dos anos 1960 até 2021, quando estrelou "Cry Macho", Clint Eastwood não conseguiu espaço em circuito para lançar "Jurado n° 2" (leia a crítica na página ao lado), que hoje pode ser alugado ou comprado no Brasil na Prime Video, o streaming da Amazon. Outros títulos aclamados pela crítica não vão encontrar terreno nas salas de exibição do Brasil, nem o ganhador do Urso de Ouro do Festival de Berlim de 2024, "Dahomey", da diretora franco-senegalesa Mati Diop, que desponta entre os potenciais concorrentes ao Oscar de Melhor Documentário de 2025. Projetado na Mostra de São Paulo, o longa-metragem (que mapeia o regresso ao lar de relíquias do Benin surrupiadas por colonizadores europeus) está há uma semana na grade da MUBI. Plataformas digitais como o www.mubi.com hoje se tornaram a vitrine primeira (e, por vezes, definitiva) de filmes que foram concebidos para as telonas.
Existe o caso dos Originals, termo aplicado a longas que são produzidos por um streaming para ser uma atração exclusiva de sua grade, sem poder ser veiculado em outras mídias. Um (ótimo) exemplo o (hilário) "Querido Papai Noel" ("Dear Satan"), comédia com Jack Black lançada pela Paramount na terça-feira. Um outro exemplo: "Um Tira Da Pesada 4: Axel Foley", com Eddie Murphy, feito sob encomenda da Netflix. Não é esse o caso de "Não Espere Muito Do Fim Do Mundo" ("Nu Astepta Prea Mult De La Sfârsitul Lumii"), do romeno Radu Jude, hoje na MUBI.
O novo longa do diretor de "Má Sorte no Sexo ou Pornô Acidental" (Urso de Ouro de 2021) ganhou o Prêmio do Júri do Festival de Locarno, na Suíça, em 2023, e integrou uma série de listas de associações de críticos (como o Top Ten da "Cahiers du Cinéma"). Mesmo assim, não conseguiu estacionar em salas de projeção. Sua atriz, Ilinca Manolache, tem um desempenho em estado de graça nesse estudo sobre o sucateamento das relações laborais, centrado no empenho de uma produtora em filmar pessoas que sofreram acidentes de trabalho.
Exibido no Festival de Cannes em 2023, na briga pela Palma de Ouro, "Cidade de Asfalto" ("Asphalt City"), um suspense sobre saúde pública nos moldes da série "Sob Pressão", dirigido por Jean-Stéphane Sauvaire, também ficou sem tela nos cinemas nacionais, apesar de ter Sean Penn no elenco, mas arrumou casa na Amazon Prime. Na trama, o jovem paramédico Ollie (Tye Sheridan) aprende com um veterano do estetoscópio (Penn) como é pesada a rotina de uma ambulância a serviço dos acidentados e doentes de uma Nova York que não para.
A mesma Amazon Prime deu guarita a um documentário irônico, lançado há nove anos lá fora, mas nunca exibido em circuitinhos ou circuitões brasileiros: "O Invasor Americano" ("Where To Invade Next"), de Michael Moore. Nele, o realizador de "Tiros em Columbine" (2002) corre o planeta tentando "roubar" o melhor de países como a Finlândia, a Noruega e a Alemanha em termos de educação, sistema carcerário e política bancária, a fim de melhorar a vida nos EUA. Até Portugal entra na roda, numa sequência deliciosa acerca da questão da segurança garantida pela Polícia em território luso. Na jornada, a desilusão de Moore com sua pátria é enorme - e nos faz rir.
Especializado em thrillers, com astros pop do naipe de Nicolas Cage, Mel Gibson, Stallone e Dave Bautista, a plataforma Adrenalina Pura (https://www.adrenalinapura.com) está apinhada de iguarias que não puderam desfilar brutalidade por multiplexes. Em janeiro, vai estar por lá "Charlie em Ação" ("Fast Charlie"), de Phillip Noyce ("Jogos Patrióticos"), com Pierce Brosnan no papel de um assassino acossado. Por lá se vê um ferrabrás como Van Damme sentar o pé na cara alheia em "Colateral" (2023), assim como se pode apreciar um exercício autoralíssimo de Walter Hill (diretor de "48 Horas"), o exótico "Vingança" (2016), com Michelle Rodriguez e Sigourney Weaver.
O desafio dos resenhistas agora é gerar fortuna crítica para tanto filme bom.