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O genial encontro de Nelson Rodrigues e Fernanda Montenegro

Por Cláudia Chaves

Especial para o Correio da Manhã

Após dois anos longe dos espetáculos, a icônica atriz Fernanda Montenegro, do alto de seus os seus 92 anos, está de volta ao palco do Teatro XP Investimentos, desta sexta a domingo. Com sua voz inconfundível, a grande dama do teatro brasileiro fará leituras dramáticas de textos baseados na obra "Nelson Rodrigues Por Ele Mesmo", de Sônia Rodrigues, que une o máximo do que o jornalista e dramaturgo quis dizer sobre sua vida e seu trabalho.

A relação entre Fernanda, hoje imortal da Academia Brasileira de Letras (ABL) e Nelson, um de nossos mais fecundos escritores, existe há mais de 60 anos.

"A convivência com o Nelson Rodrigues vem justamente por meio de 'O Beijo no Asfalto', que ele fez para o Teatro dos Sete. Também foi numa época em que estávamos na TV Rio e fizemos quatro novelas dele", recorda Fernanda.

A dramaturgia rodriguiana deu à atriz papéis emblemáticos como Madame Clecy na novela "A Morta Sem Espelho", uma adaptação televisiva para a peça "Vestido de Noiva".

Com memória privilegiada, Fernanda se recorda de como aconteceu o primeiro encontro profissional de ambos. Por muita insistência dela, que se diga. Durante oito meses, atriz ligou insistentemente para o dramaturgo, a fim de que ele escrevesse uma peça que ela estrelaria e produziria com o marido, Fernando Torres. Nascia ali "Beijo no Asfalto", um grande sucesso.

Mais tarde, Fernanda teria que descartar estrelar "Toda Nudez Será Castigada" por estar grávida: "Nelson, muito sabidamente, diz que eu me recusei a fazer, mas na realidade, ele demorou tanto para entregar o texto que, nesta altura dos acontecimentos, eu já estava grávida do meu primeiro filho", rememora.

Fernanda Montenegro é a atriz que encarnará a dramaturgia de Nelson quando ele inaugurara segunda fase da sua dramaturgia, aquela que engloba o conjunto das tragédias cariocas.

Nelson introduzira em sua literatura dramática o teatro de costumes perpassado pelos temas subterrâneos no dia-a-dia da vida suburbana: amor irrealizado, frustração feminina, ódio, ressentimento e vingança: a vida retirada do folhetim.

Jornalista consagrado, autor da coluna A vida como ela é, publicada no jornal Última Hora, Nelson descrevia o mundo que via no próprio bairro onde morava: o Andaraí. A imagem do marido, chegando para jantar trazendo um embrulho de queijo palmira amarrado no dedo, lhe persegue. Nelson, nesse momento, se debate entre a paixão e a vida medíocre com a mulher e os dois filhos.

A inveja, a disputa, o ressentimento, as relações escondidas, os amores culpados não estão apenas nas páginas da Última Hora em trechos como "a vida carioca escapa ao mito do sujeito malandro, sambista, sempre alegre (...) O próprio artista que, na aparente placidez do subúrbios, das casas com pequenos jardins, ver ferver todos os sentimentos. o vulcão da vida que espalha a lava imunda sem perdão".

É esse Nelson despudorado ao compor seus personagens e ao mesmo tempo exibir as suas profundas emoções, cuja escrita de si encontra a sua melhor porta voz: Fernanda Montenegro. O encontro é de longo curso, mas jamais por mares de confronto. Existe a perfeita sintonia da grande voz que incorpora o grande texto. Se a essência do teatro é o ator, a essência de Nelson Rodrigue é Fernanda Montenegro.

SERVIÇO

NELSON RODRIGUES POR ELE MESMO

Teatro XP Investimentos (Av. Bartolomeu Mitre, 1110/B - Leblon)

5, 6, e 7/8, sexta e sábado (20h) e domingo (19h)

Ingressos: R$ 100 e R$ 50 (meia e clientes XP)

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