Por: Cláudia Chaves (Especial para o Correio da Manhã)

CRÍTICA / TEATRO: Um Napoleão sem hospício

Em 'Outra Revolucão dos Bichos', Damasceno encena com brilho cinco papéis da trama | Foto: Michel Langer/Divulgação

O inglês George Orwell escreveu o clássico dos clássicos "1984". Mas podemos considerar sua "Revolução dos Bichos" como uma obra emblemática que analisa a relação de poder, ambiente limitado transformando os animais metafóricos em metonímias do comportamento humano. Bruce Gomlevsky, um dos mais criativos e profícuos encenadores, com "Outra Revolução dos Bichos", traz ao teatro sua essência: um ator, um palco, texto, voz, corpo e luz.

Entra-se em um teatro escuro, com um ator vestido do que se considera traje social - camisa social e calça pretas - sobre uma plataforma preta - uma espécie de palco italiano diferenciando como único elemento cênico não totalmente padronizado. E lá está Gustavo Damasceno como um menino travesso, balançando as pernas, sorrindo e recebendo a plateia. Tudo apagado e fiat lux: Gustavo, de forma extraordinária, dá vida ao porco Napoleão, personagem líder e condutor da história que se vai contar. Como os animais desenvolvem o regime animalismo e transformam tudo o que se move em duas patas como inimigo.

A dramaturgia de Daniela Pereira Carvalho constrói um texto que seria absolutamente clássico com cinco personagens apresentando seus conflitos. No entanto, o que se vê, essa é a grandeza da peça, é um só ator desempenhando os porcos, o corvo, a cabra e o cavalo de tal forma que o que se vê é um palco repleto de interpretações memoráveis pelo forma com que Gustavo usa seu corpo e sua voz. Cada um dos personagens fala e se move de um jeito e Gustavo lhes dá vida de forma absolutamente diversa o que transforma a sua presença em uma interpretação memorável.

Há claro a discussão sobre o poder, traição, o que faz de "Outra Revolução dos Bichos" a mais cáustica e incisiva crítica aos últimos dez anos do que vivemos no Brasil, mas como toda obra de arte é a metalinguagem que transforma o espetáculo em um acerto de ponta a ponta. Gustavo representa animais, mas é homem. O palco não tem qualquer cenário, o que se vê de forma clara é a fazenda, as baias e o moinho. Quando acabamos, o que está posto é o trabalho de Bruce, um diretor que se permite, com absoluta competência, ousar e ter um resultado incrível; Gustavo que é capaz de transformar a mão, com os dedos crispados, na pata de três dedos do porco, em um desempenho para se assistir e rever.

SERVIÇO

OUTRA REVOLUÇÃO DOS BICHOS

Teatro III do CCBB RJ - Centro Cultural Banco do Brasil (Rua Primeiro de Março, 66 - Centro)

Até 2/10, às segundas, quartas, quintas, sextas e sábados (19h) e domingos (18h)

Imgressos: R$ 30 e R$ 15 (meia)

 

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