Alguém já ouviu falar em ex-grávida? Ex-filho? Pois é. Também só existe um Nelson Rodrigues. Jornalista, frasista, cronista, dramaturgo, dono de um pensamento absolutamente único. Tão único que desvenda, sem perdão e sem qualquer hesitação, os princípios mais abjetos, os desejos mais sórdidos da alma humana. Nelson foi, ele mesmo, principal personagem de sua escrita, pois carregou a tragédia na vida: assassinato do irmão, a filha cega, o filho preso político, amores desencontrados, família secreta.
Depois de mais de uma década, o Grupo Oficcina Multimédia (GOM) volta ao Rio para apresentar o seu mais novo trabalho: "Vestido de Noiva", clássico de Nelson Rodrigues.
Escrita em 1943, a peça completa 80 anos em dezembro. A montagem integra as comemorações dos 45 anos de atuação ininterrupta da companhia de mineira e os 40 anos de direção artística de Ione de Medeiros
Nascida em Juiz de Fora em 1942, Ione de Medeiros se mudou para Belo Horizonte em 1967. Em 1977, participou da criação do Grupo Oficcina Multimédia, que dirige há 40 anos. Além de diretora, é pianista, atriz, figurinista, cenógrafa, curadora, produtora cultural e educadora artística. À frente do GOM, realizou a montagem de 24 espetáculos, tendo como foco a continuidade da pesquisa multimeios, que envolve o trabalho de corpo, voz, rítmica corporal e material cênico na encenação teatral. Recebeu cinco prêmios, entre eles o Bonsucesso de Melhor Direção, com o espetáculo "Zaac e Zenoel". Ela falou com exclusividade ao Correio da Manhã.
Como foi seu encontro com o teatro de Nelson Rodrigues?
Ione de Medeiros: Tenho orgulho de ser uma mulher que monta Nelson. Depois desse primeiro encontro através de Boca de Ouro,pela flexibilidade de montar, em 2018, uma história, a partir da perspectiva de Guigui, a personagem narradora, variar o foco de observação, a visão do jornalista. O segundo encontro que seria o Vestido de Noiva, foi uma outra maneira que me atraiu pelo fato de que Vestido de Noiva ser uma história bastante peculiar porque é a história de um personagem, uma mulher acidentada e que vai contar sua história, ou seja, o público vai entrar em contato com uma história que vem do inconsciente dessa mulher.
Essa pesquisa sobre Nelson é centrada na relação dele com Freud. Você viu isso com clareza. De que forma?
Então, esse foco sobre o inconsciente, ou seja, conhecer a mulher dentro, por dentro, o que que ela pensa, a sua vida interior, seus desejos, os mais proibidos, suas vontades, suas vinganças, enfim, todo aquele universo que não vem à tona, mas que o inconsciente livre de qualquer censura, deixa manifestar, um pouco inaugurando esse interesse pela mente humana, que já começou a nascer com Freud, que começava a ser divulgado pela Europa, Estados Unidos. Acho que nem Nelson Reyes não fez isso com essa intenção de fazer uma alusão à Freud, mas, na realidade, pelo seu próprio inconsciente coletivo, ele fez isso, ele valorizou a mente da personagem e contou uma história a partir da mente dessa personagem acidentada. E, para falar de um inconsciente, ele usou aquele procedimento de colocar realidade, alucinação em memória, ou seja, também uma realidade, entre aspas, totalmente diversificada pelo fato de estar no inconsciente e pelo olhar da Alaíde, que estava totalmente perdida, sem saber quem ela é. Então, vamos dizer, são três anos de investigação e de pesquisa sobre o mesmo tema, o que resultou numa vontade de compreender bem essa história, que ela é bem complexa, e de fazer o público entender. Então, acho que a produção foi ampla, mas que foi muito satisfatória para nós, produtores e artistas.
E o papel dos clássicos?
Eu já montei Garcia Lorca, a casa de Bernarda Alba, Shakespeare, Macbeth e Checov, Jardim das Cerejeiras. É um clássico porque ele permanece, é atemporal. Então, o olhar que eu vou dar nessas montagens é o da linguagem que eu trabalho hoje. Assim, eu vou resgatar o que essas obras têm de atual, no sentido humano, e vou usar a linguagem que eu gosto de fazer, que é uma mistura de movimento de som e imagem. Eu sempre uso, quando não tinha projetores, eu usava slides, já usei slides porque não tinha projetores, mas eu sempre gostei da imagem, sempre gostei muito do objeto.
SERVIÇO
VESTIDO DE NOIVA
Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) - Teatro 2(Rua Primeiro de Março, 66 )
Até 5/11, de quarta a sábado (19h) e domingo (18h)
Ingressos: R$ 30 e R$ 15 (meia)