CRÍTICA / TEATRO | Ontem, hoje, amanhã do teatro brasileiro

Por Cláudia Chaves | Especial para o Correio da Manhã

Vestido de Noiva

Existem momentos raros no cenário da dramaturgia. No mesmo espaço poder se assistir duas obras tão diversas e ao mesmo tempo tão semelhantes. "Azira'i" e "Vestido de Noiva" que, infelizmente, encerram suas temporadas no domingo. Ambos os espetáculos são capazes de, com talento e maestria em todos os pontos, apresentar um texto seminal e um outro contemporâneo que se aproximam pela alta qualidade de produção, encenação e a contemporânea aproximação com as artes visuais.

Azira'i - Uma relação lendária

O projeto de Duda Rios e de Zahy Tentehar poderia ser mais um monólogo autobiográfico. Mas não é. Um texto emocionante. A atuação de Zahy Tentehar é o primeiro impacto. Gratificante. Ao resgatar a sua vivência com a mãe, Azira'i, a primeira mulher pajé da reserva indígena de Cana Brava, no Maranhão, onde ambas nasceram, Zahy é capaz de misturar dois códigos com absoluta proficiência. Em todas as linguagens performáticas: canta, dança, expressão falada. Altera prosódias diferentes que nos envolvem.

O texto de Zahy e Duda Rios , que também assina a direção com Denise Stutz, se utiliza de princípios de roteiro audiovisual que faz com que a câmera seja capaz de captar diferentes olhares. Fala a filha, Zahy; a mãe Azara'i fica presente nos seus costumes, nas suas atitudes e na exibição de suas lutar. E um narrador que nos puxa para aquilo que deve ser destacado.

Há de se notar a produção primorosa de Andrea Alves, da Sarau, que sempre nos traz espetáculos que falam de nossa brasilidade com um cuidado em todos os detalhes, que permitem que talentos aflorem. O som dos pássaros, a trilha de Elisio Freitas,, os figurinos de Carol Lobato , a iluminação de Ana Luzia de Simoni. de se juntam ao espetáculo visual das projeções do multiartista Batman Zavareze (direção de arte e design gráfico), que inundam o palco de puro deslumbramento.

Há afeto, tristeza, amor, dificuldades, um pensamento profundo sobre o que é ser mulher, mãe, indígena. De um quadro que poderia se recolher ao tema da exclusão, emerge, pela mão dos artistas Duda ,Zahi e Denise, um outro pensamento: como vale a pena ir em frente, como o juntar de pontas, como se fazer um bonde, criar um caminhar pelos trilhos da emoção, que o teatro é capaz de dar.

Vestido de Noiva - A apoteose da encenação

Duas coisas se falam sobre a obra de Nelson Rodrigues. A primeira era dele próprio: "Não há diretor que saiba me encenar." E a segunda que o texto rodriguiano é de tal ordem poderoso que não necessita de mais nada. Ione Medeiros, diretora do Grupo Oficcina Multimédia, desmente essas 2 afirmativas. Ao transformar Vestido de Noiva em um espetáculo de absoluta plasticidade alcança a cocriação de forma brilhante, ao trazer um texto de 80 anos, para a atualidade da cena teatro de 2023.

Ao colocar uma Alaíde em dupla atuação, duas atrizes com figurinos que lembram um passado, ao mesmo tempo, que tem um quê de operístico, passa-se do patamar da alucinação, o principal eixo de 3 ( passado, presente e alucinação) para o lugar em que se traz a mente difusa de uma personagem que está morrendo.

Ione elimina os personagens do presente- jornalistas, que seriam os arautos de uma possível realidade, concentra mais nos choques da alma, na visão individualista, na própria invenção que as pessoas são capazes de fazer, inclusive na alteração do passado. Ao mesmo tempo, a encenação é capaz de trazer as projeções audiovisuais que é a escolha para a reverberação, sem a simplicidade quase monástica que normalmente se vêem em outras mensagens.

A potência está em todos os momentos: nos figurinos, nos atores masculinos de preto em contraste com as duas atrizes de branco. Camila Felix, Henrique Torres Mourão, Jonnatha Horta Fortes, Júnio de Carvalho, Priscila Natany e Victor Velloso, se revezam , com uma qualidade de atuação, nas cenas personagens masculinos e femininos, princípio que é a essência da força do teatro. O texto está lá, na repetição, orações curtas, declatorias, quase como parte de um sermão. Alguém que representa bem o papa dos autores brasileiros.

SERVIÇO

VESTIDO DE NOIVA / AZIRA'I | Centro Cultural Banco do Brasil (Rua Primeiro de Março, 66 - centro)

Até 5/11, de quarta a sábado (19h) e domingo (18h) | Ingressos: R$ 30 e R$ 15 (meia)