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Possibilidades de afeto perdidas

Em 'Dias Felizes', Winnie se agarra às palavras e a seus últimos pertences para enfrentar a passagem do tempo | Foto: Bob Sousa/Divulgação

A peça "Dias Felizes", de Samuel Beckett, com montagem inspirada no teatro do inglês Tadeusz Kantor, estreia no próximo dia 28 de março no Teatro Nelson Rodrigues. Dirigido por Cesar Ribeiro, o espetáculo traz a história de Winnie, interpretada por Lavínia Pannunzio, uma mulher de 50 anos que dialoga de modo otimista sobre um passado glorioso e a esperança de dias melhores.

Nessa condição precária, em um cenário desértico, ela se agarra às palavras e a seus últimos pertences para enfrentar a passagem do tempo e comandar seu universo de esperanças contraditórias com a realidade em que está inserida.

Na montagem, a violência do patriarcado, assim como as imposições relacionadas à construção do feminino se tornam o centro das discussões. Segundo o diretor, a voz que se ouve na peça é de Winnie, que o tempo inteiro retorna à expectativa de felicidade enquanto narra possibilidades de afeto perdidas no passado e a aridez do estado presente.

Além da imobilidade ao estar enterrada, a memória é falha, o sol é constante e seu marido, Edgar Castro permanece indiferente, ao fundo da cena, absorto na leitura de manchetes de velhos jornais.

"Ao mesmo tempo, como um quebra-cabeça, o texto vai remontando uma relação afetiva que começa com a 'conquista' seguida por imediato silêncio entre o casal, resultado de um marido presente fisicamente, mas sem nenhum grau de escuta e que apenas grunhe palavras incompreensíveis e, às vezes, algumas frases soltas ou pequenas respostas", explica Ribeiro.

A montagem utiliza obras como Eichmann em Jerusalém, em que Hannah Arendt propõe que o mal, ao atingir grupos sociais, é político e ocorre onde encontra espaço institucional, gerando a naturalização da violência como processo histórico e sociopolítico. Desta forma, Dias Felizes aborda a desumanização, que condiciona grandes parcelas da população a uma cidadania de segunda classe.

"O isolamento, a escassez de recursos, a natureza hostil e a oposição entre os desejos de luta pela vida e desistência diante das adversidades configuram a obra como uma representação do abandono pelo Estado, pela coletividade e por qualquer suposta divindade organizadora. Mas como garantir a vida de milhões de pessoas vulneráveis socialmente sob uma realidade excludente?", questiona Cesar Ribeiro.

A proposta de montagem segue a investigação dos sistemas de violência característica do grupo Garagem 21. Em Esperando Godot é investigada a violência estrutural e em O Arquiteto e o Imperador da Assíria o foco está na violência cultural.

O grupo Garagem 21 surgiu em 2009, na cidade de São Paulo. Desde o princípio, centra suas pesquisas na investigação da ideia de poder e suas extensões no corpo social. Do ponto de vista estético, procura um híbrido do teatro com outras linguagens, como quadrinhos, videogames, desenhos animados e dança contemporânea, em busca de uma forma de fazer teatro relacionada à transformação social propiciada pelas novas tecnologias e capaz de fomentar um público contemporâneo e alheio ao teatro, além da continuidade do público usual.

SERVIÇO

DIAS FELIZES

Teatro Nelson Rodrigues - Caixa Cultural (Av. República do Paraguai, 230 - Centro)

Até 7/4, de quinta a sábado (19h) e domingo (18h)

Ingressos: plateia - R$ 40 e R$ 20 (meia) | balcão - R$ 30 e R$ 15 (meia)

 

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