Luiz Antônio Rocha: 'Teatro é duro. Não é fácil formar público'

Por Rodrigo Fonseca | Especial para o Correio da Manhã

Luiz Antônio Rocha estreou no teatro em 1983 e, há 20 anos, dirige sucessos

Plateias paulistanas que têm se emocionado com "Violeta Parra Em Dez Cantos" - em cartaz aos sábados e domingos no Teatro Itália Bandeirantes - notam que alguma coisa (muito boa) acontece no coração de São Paulo com a (oni)presença do encenador carioca Luiz Antônio Rocha nos palcos de lá.

Por aqui, "Brimas" e "Paulo Freire, o Andarilho da Utopia" - um par de sucessos de público e crítica - ampliaram seu prestígio. Ambas renovaram seus votos matrimoniais com a arte milenar de Sófocles e Aristófanes.

Rocha estreou em 1983, na ribalta do Tablado, sob a direção de Maria Clara Machado (1921-2001), e virou diretor há 20 anos, a partir do êxito popular de "Uma Loira Na Lua", com Alexandra Richter. Nesse percurso, travou parceria com a atriz Rose Germano, a (brilhante) intérprete de Parra (cantora e artista plástica chilena), com quem faz uma segunda peça em Sampa: "Frida Kahlo - A Deusa Tehuana". Essa está no Itália Bandeirantes também, só que às quintas e sextas.

Há ainda outro espetáculo dele por lá, para matar a cariocada de inveja: "Helena Blavatsky, a Voz do Silêncio". Sua estrela é Beth Zalcman, numa atuação de chapar o coco e devastar o peito. Eles se apresentam no Teatro B32 (na Avenida Brigadeiro Faria Lima, 3.732), de sexta a domingo.

Neste papo, Rocha conta ao Correio da Manhã quais são os charmes da cena teatral paulista.

Helena Blavatsky, Frida Kahlo, Violeta Parra... o que essas mulheres te apontam sobre a força do feminino e sobre as experiências de opressão dos séculos XIX e XX? De que que modo elas libertam a sua condição masculina de ranços?

Luiz Antônio Rocha: Sinto que na minha criação - apesar de ela ter sido extremamente machista conservadora - as mulheres da minha família sempre foram mais marcantes do que os homens. Helena me foi apresentada aos 30 anos pela minha terapeuta e desde lá, já se vão 27 anos que almejo trazê-la para a cena. Só agora consegui. Frida foi um insight para a amiga Rose Germano, que me devolveu a sacada com Violeta Parra. Minhas escolhas em teatro têm sido pautadas pela existência. O que estamos fazendo aqui. Morte e vida me interessam. Todas essas mulheres falam de vida, morte e existência. As pessoas têm medo de falar sobre a morte, mas eu vejo tanta poesia nela que me acalma. E assim tem sido... Helena Blavatsky é a busca pela verdade. Não há religião superior à verdade. Frida Kahlo superou todas as dores e as transformou em arte. O amor é o tema central, o amor de Frida, daquilo que nos move: o amor pela vida. Em Violeta Parra, que tenho o prazer de estrear em São Paulo, é uma celebração emocionada da vida e da arte por meio de uma das maiores artistas latinas, que cantou alto o amor, a revolta, as dores e as misérias de seu povo. É um texto escrito especialmente para mim pelo Luís Alberto Abreu. A partir das músicas da chilena Violeta Parra, a peça traça, de maneira crítica, um "raio x" da colonização da América Latina mostrando as veias abertas do nosso continente. A humanidade perdeu o seu Norte. Logo, falar sobre nosso processo de colonização me emociona. Trazer esses temas à cena é o que eu posso fazer, como um sinal de alerta, uma busca pela reflexão e por um mundo mais justo.

Como vem sendo o trânsito Rio x São Paulo do seu processo de criação com essas divas da resistência?

O Rio de Janeiro ficou para trás na minha história. Não consigo mais me ver morando na cidade. No Rio, os teatros estão sucateados, abandonados. Os poucos teatros que existem não deram pauta para a peça de Helena Blavatsky. Não faço parte da panelinha carioca. Tanto para "O Profeta" quanto para Blavatsky, eu pedi pauta em cinco teatros cariocas e todos me disseram não. Em São Paulo, não existe "panela". Teatro é um programa legal. O primeiro teatro paulistano que liguei para pautar "O Profeta" me recebeu de braços abertos, assim como acolheu a Blavatsky. Em São Paulo, há mais respeito pelo ofício das artes, não é um balneário e nem tudo acaba em samba. Tenho me divido durante o processo de criação entre as duas cidades por causa das atrizes que residem no Rio. Não é fácil. É bastante cansativo, mas, aos poucos, começa a ficar mais fácil.

Que investigação consciente você faz sobre os limites da encenação e da representação nas suas peças?

Eu me encontrei na técnica psicofísica do diretor russo Michael Chekhov, de quem sou um estudioso. Tento montar todos os meus espetáculos em cima dessa técnica, que utiliza o trabalho corporal e a imaginação. A criação para mim passa pelo sangue. É um processo dolorido, sagrado e sanguíneo. Saio de cada processo, renovado. Entendo o teatro como um ritual de reflexões. Tenho muito respeito pelo processo, medito antes dos ensaios e tento mergulhar nas camadas profundas que normalmente os textos não mostram - apenas sinalizam.

Qual é a dramaturgia que mais atrai seu olhar e melhor aterra seu fazer hoje?

É a obra de autores que falam das dores da humanidade e da existência humana. Autores como Gorki e Dostoiévski me emocionam. Sonho em montar "A Mãe" e "Pequenos Burgueses", de Gorki, assim como "Memórias do Subsolo", de Dostoievski.

Quais são as maiores dificuldades para se manter o teatro de guerrilha vivo nos palcos do país hoje?

A política cultura brasileira é bastante falha, mesmo no governo Lula. Os editais são uma vergonha. Contemplam uma minoria e, muitas vezes, são sempre os mesmos. Os valores oferecidos mal dão para pagar a equipe técnica dignamente. A política de leis de incentivo também é falha. Difícil conseguir captação para peças como as minhas, que, apesar de tratarem de temas relevantes e de atraírem uma multidão, não têm nenhum artista de novela e nem celebridades de internet com milhões de seguidores. Tenho participado de reuniões com executivos atrás de patrocínio e é vergonhoso o descaso para produções mais simples como as minhas. Tenho a impressão de que os grandes patrocinadores não querem que o seu público pense, optando por musicais déjà vu, que nada têm algo a ver com a cultura brasileira, explorando temas que nadam na superfície sem nenhum aprofundamento. Montar sem dinheiro não é a maior dificuldade. O difícil é manter a peça em cartaz e ganhar espaço na mídia especializada, que permita que o público saiba da existência da peça. É difícil furar a bolha. O espaço para o teatro diminuiu bastante, mas, apesar disso, o boca a boca ainda é a nossa maior ferramenta. Hoje já consigo ter um mailing do meu público, interessado em peças mais reflexivas e que tocam a alma humana. Teatro é duro. Não é fácil formar público.