Por: Cláudia Chaves | Especial para o Correio da Manhã

Fernanda Montenegro, paixão nacional

Fernanda Montenegro durante a leitura de 'A Cerimônia do Adeus' | Foto: Divulgação

"Sou filha de um casal que adorava de um tudo. Minha mãe era particularmente apaixonada por teatro, ballet e ópera. Ninguém jamais me contou conto de fada. Me contavam as peças de teatro. Toda segunda, apesar do horário tardio, eu podia ver o Grande Teatro Tupi. O programa tinha os maiores atores brasileiros, eram os grandes clássicos feitos ao vivo, sem corte. Tipo no peito e na raça. Mas entre todos, todas, todes, ela reinava absoluta" (Arlette Pinheiro Monteiro Torres, conhecida como Fernanda Montenegro, carioca nascida em 16 de outubro de 1929).

Em 73 anos de carreira, 94 anos de idade, Fernanda reina absoluta até hoje, topando os maiores desafios, papéis diferenciados, autores desconhecidos, consagrados, malditos, clássicos, representou todas as mulheres. Meu pai costumava dizer que, Fernanda tivesse nascido no Hemisfério Norte, seria a atriz mais premiada do mundo.

Esse texto de hoje não é um levantamento biográfico, um citação de carreira, de papéis. E como até hoje meu prazer inacabável de ver Fernanda em cena, ouvir a modulação de sua voz, seus gestos perfeitamente entrosados com aquilo que diz ou o que não diz, sua generosidade com a plateia, com os colegas, sua infinita delicadeza são as formas melhor acabada de se ter uma noite ou tarde memorável.

A primeira vez, eu tinha 11 anos, me senti gente. Era Fernanda fazendo Mirandolina, um clássico de Goldoni. Depois cantamos juntas "para dentro Marta Saré, para dentro."

"A Volta ao Lar" foi considerada proibida por causa dos palavrões contidos em seu texto. Sua presença em "O Interrogatório", de Peter Weiss, com direito a debate em plena ditadura. Poderia ser "Mãe Coragem", de Brecht. O ensaio geral de "Calabar", depois proibida pela censura. A mulher trocada em "É..." que sem qualquer comiseração sobre si própria até hoje me lembro "até meus sapatos pegaram fogo."

São mais cinco décadas ininterruptas até semana passada quando assisti Fernanda em "Cerimônia do Adeus", leitura dramática baseada nas memórias da pensadora Simone de Beauvoir. Por um momento, achei que era um replay da peça "Viver Sem Tempos Mortos", com direção de Felipe Hirsch, também a partir de textos da autora francesa, encenada em 2011. Essa primeira versão falava metaforicamente da perda de seu companheiro de vida inteira Fernando Torres.

Agora, Fernanda faz o roteiro da leitura dramática, dirige a si própria, posto que é capaz por saber tudo da carpintaria do teatro. Não pela carreira de longo curso, mas pelo seu talento único. Mais uma vez agradeço ter visto Fernanda. Me senti acolhida, embalada, acarinhada por sua presença e sua capacidade de inovar sempre. Jamais esmorecer. E essa paixão nacional será meu assunto domingo, data anual em que somos todas paixão nacional de nossos filhos. No meu caso, João e Chico.

SERVIÇO

CERIMÔNIA DO ADEUS - FERNANDA MONTNEGRO LÊ SIMONE DE BEAUVOIR

Teatro Casa Grande (A. Afrânio de Melo Franco, 290 - Leblon) | Até 19/5, de sexta a domingo (20h) | Ingressos a partir de R$ 200