Por: Rodrigo Fonseca | Especial para o Correio da Manhã

Eber Inácio: 'Minha pesquisa é o humor'

| Foto: Duharte Fotografia/Divulgação

Num calendário brasileiro qualquer, o primeiro dia semana, o domingão, é uma data sagrada que, embora termina na melancolia da segunda-feira que se aproxime, oferece opções de lazer e ócio (criativo ou vagabundo mesmo) para muita gente. Há quem sue a camisa de segunda a sábado sonhando para este momento chegar. Mas para Ele, personagem de Eber Inácio na peça "Aconteceu Num Domingo", o dia da "Santa Missa Em Seu Lar", do "Domingão do Huck", da pelada, do encontro com as amigas, da macarronada com frango assado é uma arapuca sentimental.

Durante 60 minutos no espetáculo em cartaz no Teatro Cândido Mendes, em Ipanema, Ele e Ela (papel da atriz Ana Paula Novellino) descobrem de si coisas que, na teoria, já deveriam saber faz tempo, mas ficaram invisíveis sob o véu do relacionamento longo e estagnado. Ela tem um apego desmedido pela casa onde vivem, o que a impede de sair do seu próprio lar. Ele vai dando seus tiltes também.

O texto, a encenação e a direção de arte desta joia em potencial são de Inácio. Diretor e ator, ele conversa aqui com o Correio da Manhã sobre o novo projeto de uma carreira que já conta com trinta e tantas peças, desde 1980.

Qual é o simbolismo de domingo que ficou em nossa cabeça e de que forma a sua peça amplia esse significado de um dia associado ao descanso?

Eber Inácio: O espetáculo "Aconteceu num Domingo" se passa num domingo (risos). E o domingo tem um símbolo, a simbologia do dia do descanso, do dia em que se vai colocar a casa em ordem ou fazer uma reunião familiar. E as coisas que a gente costuma dizer, tipo "nossa, está parecendo um domingo", fazem referência aquele dia arrastado, aquele tempo esgarçado. É um dia de descanso para muitos trabalhadores brasileiros, para estudantes… É aquele dia em que você tem a oportunidade de dominar o seu tempo. É um dia que você pode - embora não todo mundo - ter a possibilidade de eleger o que fazer, escolher o seu tempo. A peça se passa num dia desses, de domingo.

Qual é o espaço que existe para as histórias de casal, de vida a dois, no teatro carioca? Qual é o maior desafio de se falar da vida em casal hoje?

A história, na verdade, é um recorte do cotidiano num domingo na vida do casal. O que era para ser um domingo tranquilo é um domingo atrapalhado, cheio de quiproquós. A dramaturgia retrata muito a história de casais, que já é uma tradição da comédia, da comédia romântica. Só que a nossa intenção é, a partir dessa história, refletir outros tipos de relações, outras possibilidades de famílias. Eles são um casal, eles falam sobre relação a dois até que, num momento, eles começam a refletir não em separação, mas nas possibilidades de outros relacionamentos ou pessoas que não precisam de companhia. Falando de casal, você fala de você. É uma tradição do teatro, do teatro carioca, do teatro nacional, essa reflexão. Mas na verdade é uma história de casal que aponta também outras questões, como a solidão, como a relação do indivíduo com o universo, como a rotina. A relação dessa história de casal com a cena carioca... bom, eu, como jurado do prêmio PRIO de humor, criado pelo Fábio Porchat, assisto às comédias e percebo essa tradição. Tem histórias de casais com tema da paternidade, da maternidade, ou comédias simplesmente leves. É uma tradição mesmo no teatro carioca. O desafio de retratar uma história de casal é não cair na banalidade, não cair no pueril. É a tampa do vaso levantada. E o "você é isso; você é aquilo". É o "Ah, mas ela; Ah, mas ele". Escapar dessas futilidades, dessas banalidades é um grande desafio.

De que maneira o apartamento vira uma prisão, um confinamento em sua peça?

A peça se passa dentro de um apartamento em que Ele (meu personagem) tem relação com o mundo externo. Ele trabalha, só que Ela a personagem da Ana Paula Novellino), por algum motivo, não consegue mais sair de casa. Ela vive no verdadeiro casulo, protegida. A peça também passa por esse tema. Uma doença mental, um medo de enfrentar a rua, as pessoas, e esse apartamento, para Ela, vira um casulo. Ele também, de certa forma, num domingo, quando está com Ela, também vive ali naquela clausura. Ele tenta animá-la, estimulá-la para sair, mas só que Ela tem o seu tempo. E a casa pode ser um lugar também de descobertas, de descanso, de proteção, mas a casa também pode ser um lugar de prisão. Você se sente tão protegido ao ser afetado por uma avalanche de notícias violentas, bombardeado por um medo coletivo que nos cerca. Há que se ficar atento com a saúde da casa.

Qual é o teatro (mais autoral) que você busca fazer em projetos pessoais?

Bom, o teatro que eu busco eu meus projetos pessoais, no momento, é uma pesquisa cômica. É colocar uma lente no cotidiano, nesse tempo cômico. É a comédia física, a comédia da palavra. Tem aquele humor da gargalhada, tem aquele humor da graça, do estado de graça, tem o humor da sutileza. No momento a minha pesquisa é essa, é o humor.