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Um Shakespeare periférico

Marcos Camelo em cena em 'Eu, Romeu', com direção de Cecília Viegas: 'A peça nos mostra que um povo sem acesso à cultura é um povo que tem roubado os seus direitos e sua capacidade de sonhar' | Foto: Ratão Diniz/Divulgação

Espetáculo da Adorável Companhia, de Guapimirim, município da Baixada Fluminense, reconta "Romeu e Julieta", clássico de William Shakespeare, colocando em cena um ator preto e suburbano para discutir estereótipos e preconceitos na montagem de "Eu, Romeu", um solo narrativo do ator Marcos Camelo.

Celebrar a insistência petulante dos improváveis, a paciência dos que não se encaixam e exaltar a teimosia, são o mote da peça de dramaturgia autoral e contemporânea de "Eu, Romeu", cuja história transita pela sua própria vida de homem pardo, periférico, nascido e criado no subúrbio do Rio, mais especificamente em Rocha Miranda, uma parte da cidade sem biblioteca, cinema, teatro ou qualquer outro espaço para produção e consumo de cultura.

O ator traz à cena a história de heróis perdedores, daqueles que fazem o que podem com o que são e que - com honra, dignidade e bom humor -, ousam sonhar, lutar e quase sempre perder.

"A inspiração para o espetáculo partiu do quanto estão estruturados na sociedade os sistemas pré-determinados que impõe limites aos cidadãos devido a sua ascendência, a cor de pele, CEP e cultura", explica Camelo.

A encenação mistura música, teatro e circo em comunicação direta com a plateia, com a finalidade de um teatro de extrema intimidade com cada pessoa. O "Eu" no nome da peça pode ser, também, qualquer pessoa da plateia que se sinta representada na cena. Assim, a tragédia mais amada de Shakespeare "Romeu e Julieta" se mistura à recorrente tragédia dos subúrbios do Rio de Janeiro. Transpor essas barreiras equivale a uma verdadeira odisseia, uma constante luta desigual para afirmar sua potência, alcançando objetivos e sonhos.

"A montagem tem muita relação com a minha experiência em identificar as potências de cada indivíduo através do trabalho com circo social. Isso foi fundamental para criação de um espetáculo centrado no ator e nas competências dele na cena", ressalta a diretora Cecília Viegas.

Em cena, Marcos Camelo, um ator do subúrbio carioca, que provavelmente não teria a chance de estar dentro do personagem criado por Shakespeare, lança mão de tudo o que é, e que tem, para fazer com que o espectador brinque com esta peça. Um ator que é o início e o fim de todas as ações. Os estereótipos e a regionalização das oportunidades estão no palco, além das barreiras físicas e reservas de mercado.

"Um artista que fala de si para falar do mundo, um espetáculo divertido e provocador que tem a cara do nosso povo. É Shakespeare do hip hop ao samba", comenta Marcos.

Premiado em vários festivais pelo Brasil, "Eu, Romeu" já circulou por 10 cidades de Goiás, Espírito Santo, Minas Gerais, Bahia, Rio Grande do Sul e Amazônia, e agora, pela primeira vez, será apresentado no Rio. "A peça nos mostra que um povo sem acesso à cultura é um povo que tem roubado os seus direitos e sua capacidade de sonhar", conclui o ator.

A temporada carioca de "Eu, Romeu" conta com patrocínio do Governo Federal, Ministério da Cultura, Governo do Estado do Rio de Janeiro, Secretaria de Cultura e Economia Criativa, Lei Paulo Gustavo, com o apoio da Funarte e do Ministério da Cultura através do Programa Funarte Aberta 2023 - Ocupação dos Espaços Culturais do Rio de Janeiro.

SERVIÇO

EU, ROMEU

Teatro Glauce Rocha (Av. Rio Branco, 179, Centro)

De 14 a 29/6, às sextas e sábados (19h) e domingos (18h)

Ingressos: R$ 20 e R$ 10 (meia)