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Uma utopia ampliada

Após um ano de obras, o Armazém da Utopia, sede da Cia. Ensaio Aberto, está reformulado e expandido com novos espaços para as apresentações de suas montagens, que voltam a ser encenadas no galpão localizado na Zona Portuária em agosto | Foto: Divulgação

Após um ano de reformas, o Armazém Utopia, o galpão da Zona Portuária que abriga a Companhia Ensaio Aberto, apresenta suas novas instalações nesta sexta-feira (28). Orçada em R$ 36 milhões, com apoio financeiro do BNDES e patrocínio master da Shell e do Instituto Cultural Vale, a obra expande projetos da companhia Ensaio Aberto com restauro do galpão centenário, novos espaços cênicos, teatro found space (um conceito flexível para o palco) com arquibancada retrátil, travessa aberta para o cais, restaurante à beira-mar e uma programação intensa a partir de agosto.

A reinauguração do espaço se completa em agosto com a conclusão da obra no galpão anexo, de 1.750 m2, onde ficará o Teatro Vianinha (em homenagem ao dramaturgo Oduvaldo Vianna Filho), um dos palcos dos espetáculos da Ensaio Aberto e de companhias visitantes. Será um teatro multiuso para 300 pessoas na menor configuração e 500 na maior.

O novo espaço será aberto ao público pela primeira vez na estreia do espetáculo "O banquete", obra derradeira de Mário de Andrade - e não-acabada devido à sua morte em 1945 - na qual o protagonista, Janjão, um compositor pobre, tem diálogos críticos de raíz social sobre a eurocentrização da arte, sobre a alta sociedade paulistana e a vida cultural da cidade nos anos 1920, época do movimento modernista.

O espetáculo está em fase de criação, e os ensaios começam em julho com elenco formado por atores e atrizes da companhia e da última oficina de interpretação gratuita. A direção artística é de Luiz Fernando Lobo, a montagem da cenografia é de J. C. Serroni, o desenho de luz de César de Ramires, a direção musical e trilha original de Felipe Radicetti e os figurinos de Beth Filipecki e Renaldo Machado, todos parceiros de longa data da companhia. A direção de produção é de Tuca Moraes e a produção de Dani Carvalho.

Após "O Banquete", serão encenados quatro espetáculos ao longo de um ano. Em setembro, apenas um mês depois de estrear o texto de Mário de Andrade, Tuca Moraes subirá sozinha no palco da Sala Sérgio Britto, definido por Lobo como "um teatro-laboratório, para plateias menores, inclusive com novos horários,". O monólogo "Palavras" é inspirado no universo da obra de Clarice Lispector.

Depois disso, a companhia irá montar dois espetáculos de seu repertório: em março estreia "A Exceção e a Regra", escrita por Bertolt Brecht, que teve todas as apresentações lotadas em 2023, quando a Ensaio Aberto celebrou 30 anos de existência. E em agosto do ano que vem, estreia "Olga", um espetáculo-documentário escrito e dirigido por Luiz Fernando Lobo sobre Olga Benario Prestes, assassinada pelo nazismo após ser entregue pelo presidente Getúlio Vargas durante a ditadura do Estado Novo.

Neste 2024 - 14 anos e 15 espetáculos depois -, o Armazém da Utopia, agora tombado imaterialmente pelo estado e município do Rio, se consolida como um porto aberto para receber coletivos irmãos do Brasil, América Latina, África e de todos os lugares do mundo, e se tornar uma nova casa para todos esses coletivos, um centro de produção criativa com laboratórios artísticos e técnicos. "Um lugar onde outros coletivos possam fundear ou amarrar e estabelecer contatos e comunicação, lugar de descanso e de refúgio, de chegada e de partida, unindo porto e cidade", explica o diretor e fundador da companhia, Luiz Fernando Lobo.

Sem interromper as atividades artísticas e de formação técnica da companhia, a obra mexeu com o cotidiano do grupo. "Parecíamos ciganos dentro do Armazém. Era importante mantê-lo aberto durante as obras. Estreamos um espetáculo, uma exposição e continuamos com nossas oficinas e estudo do Teatro dos Trabalhadores", conta Lobo.

A estrutura do galpão histórico, de tipo inglês, foi restaurada respeitando o projeto original, algo raro entre os 18 armazéns construídos na região, mantendo a arquitetura singular com grande vão central no interior, característico do passado portuário.

A grandiosidade do espaço comporta uma diversidade de eventos culturais e sociais, a exemplo dos já realizados, "MURS", do La Fura Del Baus, Festival de Cinema do Rio, Festival Panorama de Dança, Back to Black, Festival Multiplicidade e lançamento de álbuns como "Ladrão", do rapper Djonga, instalações como a NBA House e festas diversas, além de projetos mais arrojados da companhia, como os espetáculos "Missa dos Quilombos", "Dez Dias que Abalaram o Mundo" e "O Dragão".

O teatro terá um sistema retrátil de arquibancada, importado de Londres. Dependendo da configuração do palco - italiano ou em formato de arena, por exemplo -, a arquibancada pode se transformar em menos de cinco minutos. "Podemos fazer uma plateia italiana, uma arena de dois, três ou quatro lados, um palco-sanduíche, um palco elizabetano… São diversas possibilidades, o que para o nosso trabalho é essencial, porque a gente sempre brincou muito com isso, e o público nunca sabe o que esperar do nosso próximo espetáculo", explica Lobo.