Uma vez, o talentoso cineasta Guilherme Coelho, classificou de libelo a peça "Ninguém Sabe Meu Nome". O libelo, sobretudo centrado em monólogos, ganha cena teatral, podemos dizer, status de gênero. Libelo em jurisdiquês é a exposição breve e articulada do que se pretende provar contra um réu.
Mas já houve, em plena Revolução Francesa, o teatro libelo, chamado libeles, com um papel essencial enquanto obras com características de dimensão histórica, pois traziam ao público narrativas sobre a história recente da França naquele período.
Entre as mais diversas libelles que inundam nossos palcos, "Eu Sou um Hamlet", com Rodrigo França, sob direção de Fernando Philbert consegue ir além de ser uma peça acusatória. O espetáculo é um movimento de altíssima sofisticação que já parte da idéia de se fazer um mosaico de vários textos de Hamlet para compor um grito de profunda dor ao apontar a situação do jovem preto, vítima de um verdadeiro genocídio.
Começa-se com o cenário uma destruição aparente, ordenamente desordenada. Mas é o figurino de Rodrigo o elemento cênico surpreendente e avassalador. Branco, com um crochê de cordas, um caftan, uma batina, algo que nos remete, de imediato ao nível do sagrado. Rodrigo se transforma em profeta, em vate. O jovem herdeiro vingador muda de pele, incorpora o abandono da negritude no gestual, na voz, no corpo. É um órfão-símbolo com a incapacidade de superar o inimigo.
A direção de Fernando Philbert não é uma atualização propriamente dita. O texto é o clássico, como vimos no estupendo "Hamlet" de Gabriel Villela, mas o sub discurso da música deixa de ser um fundo. Assume o proscênio, dá sentido, força brasileira. Philbert e Rodrigo transformam em emoção o esforço de denunciar e apontar quem permite o racismo como forma brutal de matar.
SERVIÇO
EU SOU UM HAMLET
Teatro Firjan Sesi Centro (Av. Graça Aranha, nº 1 - Centro)
Até 14/7, quintas e sextas-feiras (19h), sábados e domingos (18h)
Ingressos: R$ 40 e R$ 20 (meia)